23 fevereiro 2018

Dulce Pontes: "O Primeiro Canto" (dedicado a José Afonso)



No dia em que se completa mais um ano – o 31.º – sobre o desaparecimento do "andarilho da utopia", o blogue "A Nossa Rádio" rende tributo à sua memória apresentando outra das canções que lhe foram expressamente dedicadas: "O Primeiro Canto", por Dulce Pontes, extraída do álbum com o mesmo título, editado em 1999. Disco esse que – acrescente-se a propósito – viria a ser galardoado, no ano seguinte, com o então muito prestigiado Prémio José Afonso, atribuído pela Câmara Municipal da Amadora.
Perguntamos: o que fez a Antena 1, nesta data, em memória do autor de "Vejam Bem"? Nada de nada! Tal desleixo até nem seria especialmente grave se nos demais 364 dias do ano civil o legado discográfico de José Afonso merecesse a atenção de quem gere a asquerosa 'playlist'. Mas como isso não tem acontecido, aqui fica lavrado o protesto de alguém que não pode pactuar com tão vil silenciamento, que, no fim de contas, é uma forma de censura, sob a capa de insondáveis critérios editoriais, a um dos criadores maiores da música portuguesa.



O Primeiro Canto (dedicado a José Afonso)



Letra: João Mendonça, Dulce Pontes e António Pinheiro da Silva
Música: Dulce Pontes e Leonardo Amuedo
Intérprete: Dulce Pontes* (in CD "O Primeiro Canto", Polydor B.V. The Netherlands/Universal, 1999)




[instrumental / vocalizos]

O tambor a tocar sem parar,
um lugar onde a gente se entrega,
o suor do teu corpo a lavar a terra.
O tambor a tocar sem parar,
o batuque que o ar reverbera,
o suor do teu rosto a lavrar a terra.

Logo de manhãzinha, subindo a ladeira já,
já vai a caminho a Maria Faia...

Azinheiras de ardente paixão
soltam folhas, suaves, na calma
do teu fogo brilhando a escrever na alma.

Estas fontes da nossa utopia
são sementes, são rostos sem véus,
o teu sonho profundo a espreitar dos céus!

Logo de manhãzinha, subindo a ladeira já,
já vai a caminho a Maria Faia,
desenhando o peito moreno, um raminho de hortelã
na frescura dos passos, a eterna paz do Poeta.

Uma pena ilumina o viver
de outras penas de esperança perdida,
o teu rosto sereno a cantar a vida.

Mil promessas de amor verdadeiro
vão bordando o teu manto guerreiro,
hoje e sempre serás o primeiro canto!

[instrumental / staccato vocal]

Ai, o meu amor era um pastor, o meu amor,
ai, ninguém lhe conheceu a dor.
Ai, o meu amor era um pastor Lusitano,
ai, que mais ninguém lhe faça dano.
Ai, o meu amor era um pastor verdadeiro,
ai, o meu amor foi o primeiro.

Estas fontes da nossa utopia
são sementes, são rostos sem véus,
o teu sonho profundo a espreitar dos céus!

Mil promessas de amor verdadeiro
vão bordando o teu manto guerreiro,
hoje e sempre serás o primeiro canto!

[vocalizos / instrumental]


* Dulce Pontes – voz solo e coros
Leonardo Amuedo – guitarra acústica e baixo
Kepa Junkera – trikitixa
Justin Vali – valiha (harpa de Madagáscar)
Wayne Sorter – saxofone soprano
João Ferreira – adufes e djembé solo
Trilok Gurtu – percussão, tablas e voz
Produção – Dulce Pontes, António Pinheiro da Silva e Albert Boekholt
Coordenação de produção – Ricardo Alevizos
Gravado no Helioscentric Studio (Reino Unido), de 1 de Março a 6 de Abril de 1999
Gravações adicionais no Olympic Studio (Reino Unido) e nos Wisseloord Studios (Holanda)
Misturado nos Wisseloord Studios (Holanda)
Engenheiros de som – António Pinheiro da Silva e Albert Boekholt
Masterizado por João Moura, António Pinheiro da Silva, Albert Boekholt e Dulce Pontes



Capa do CD "O Primeiro Canto" (Polydor B.V. The Netherlands/Universal, 1999)

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José Mário Branco: "Zeca (Carta a José Afonso)"