19 novembro 2012

Em defesa do programa "Questões de Moral"



«E para terminar, e a talhe de foice ou não, registe-se que foi Pio XII que fundou o Instituto para as Obras Religiosas, a tal designação que vem a ser a do Banco do Vaticano, de que tão abundantemente falei nestes últimos programas. Últimos, disse bem, últimos programas originais de "Questões de Moral". E se eu soubesse que eram estes os últimos não me despediria assim com estes assuntos, mas enfim...
Ana Almeida Dias e Cristina do Carmo, obrigado por tudo. Adeus, minhas amigas, até ao meu improvável regresso!»

Foi com estas palavras, proferidas na edição consagrada ao tópico "Pio XII – O pós-guerra" transmitida a 29 de Outubro passado, que Joel Costa se despediu das suas assistentes de realização e dos ouvintes, entre os quais tenho a honra e o proveito de me contar. Devo confessar que foi com um misto de surpresa e de consternação que ouvi aquelas palavras finais. Disse para os meus botões: «será que a direcção da Antena 2 aproveitou a maré de cortes orçamentais para se desenvencilhar de Joel Costa?» A haver cortes, e fosse a Antena 2 dirigida por pessoas íntegras e dotadas de sentido de serviço público, o "Questões de Moral" [>> RTP-Play] seria sempre o último programa a sofrer o golpe do cutelo, justamente por ser o melhor da grelha e por não haver mais ninguém que consiga fazer um congénere que seja tão cativante. Muita coisa se poderia cortar na rádio do Estado sem que daí adviesse prejuízo para a qualidade geral do serviço prestado. Em alguns casos, até com benefício, diga-se a propósito. O desaparecimento do "Questões de Moral", pelo contrário, constitui uma perda pesadíssima e irreparável.
Tratei de averiguar se aquela minha conjectura se confirmava... E foi então que vim a saber que o Sr. Joel Costa se havia entretanto reformado pela Segurança Social, circunstância que por si só não obstaria à continuação da sua colaboração com a rádio pública, como se tem verificado com outros profissionais que atingiram a idade da aposentação. Entretanto, uma mosca que se costuma passear pelos corredores da RDP veio zumbir-me ao ouvido o motivo preponderante que terá levado os mandantes da Antena 2 (João Almeida, Rui Pêgo e António Luís Marinho) a prescindirem dos serviços de Joel Costa. Alguém que tempos antes se propusera realizar um programa para a Antena 2, mas que vira esse intento adiado por não haver margem de manobra no orçamento que a administração definira para o canal, logo se teria apressado a atazanar os locatários da direcção de programas: «Agora que o Joel Costa se reformou deixa de haver justificação para eu esperar mais...». Perante tal argumento, aqueles que riscam e derriscam no canal (supostamente) cultural da RDP, nem terão pensado duas vezes: «É melhor deixar cair o Joel Costa, a pretexto da lei das incompatibilidades, e darmos oportunidade a este comparsa de também comer do bolo proveniente da contribuição do audiovisual...».
Os muitos e indefectíveis ouvintes do "Questões de Moral", ao contrário dos sujeitos que se encontram aos comandos da Antena 2, não são desprovidos da capacidade e da sensibilidade de reconhecerem ao programa o valor e o indiscutível interesse cultural que efectivamente tem. Na verdade, trata-se de um programa singular, de altíssimo carisma e de todo insubstituível. Um programa sempre em busca da "nudez forte da verdade escondida sob o manto pouco diáfano da fantasia", feito de maneira desempoeirada e descomplexada, sem recurso ao jargão doutoral/académico próprio de muitos "bem-pensantes" da nossa praça, o que lhe granjeou a admiração incondicional de uma legião de ouvintes. E alguns há que ligavam expressamente para a Antena 2 por causa dele. Este é um capital precioso e sem preço que rádio alguma que se preze pode desbaratar. "Questões de Moral" é um activo dourado (usando a gíria empresarial) do serviço público de radiodifusão e, nessa conformidade, não pode acabar, pelo menos enquanto o Sr. Joel Costa tiver forças e saúde para o realizar, pois são muitos os assuntos ainda por tratar. Cabe pois à direcção de programas e à administração da Rádio e Televisão de Portugal darem-lhe essa oportunidade, a exemplo da que foi dada – e bem – a António Cartaxo, a Jorge Costa Pinto e a José Duarte, todos uns bons anos mais velhos do que Joel Costa. Se necessário for, que seja apresentado um requerimento ao Governo, ao abrigo do previsto nos números 2 e 3 do artigo 78.º do Decreto-Lei n.º 498/72, de 9 de Dezembro, na redacção que lhe dada pelo Decreto-Lei n.º 179/2005, de 2 de Novembro. Entre as centenas de trabalhadores da Administração Pública e de empresas de capitais maioritariamente públicos a cujos requerimentos o Governo já deu deferimento incluem-se, com toda a certeza, pessoas não tão insubstituíveis nos respectivos serviços quanto Joel Costa é na Antena 2. Recomenda a sensatez e a boa defesa do interesse público que quem superiormente decide torne possível a continuação do "Questões de Moral". Assim o solicitam os milhares de ouvintes/contribuintes que há muito fizeram dele um programa de culto.

A título subsidiário a este apelo, não resisto a transcrever parte do texto que Francisco Mateus em boa hora publicou no blogue "Rádio Crítica":

Caído em cheio na era do progresso tecnológico, da política-espectáculo, da informação, do economicismo, do consumismo, da compulsiva formatação dos espíritos e da degradação da ideia ancestral de cultura, o cidadão comum continua a interrogar-se quanto à circunstância histórica e moral que lhe cabe viver.

Joel Costa, agent provocateur. Ele corta a direito e não tem papas na língua. Questões tão diferentes e tão igualmente importantes da Humanidade foram e são tratadas por ele com o acre da crueza de quem nada teme. Religião, trabalho, direitos, patronato, sociedade, exploração, personagens (Cristo), polémicas várias (Código Da Vinci). O lançador das farpas no fio da navalha que “sofre” de lucidez aguda e que tem força no movimento da denúncia, argúcia no discurso e coragem para chamar «os bois pelos nomes». É assim “Questões de Moral”. É assim Joel Costa, um provocador no que isso tem de melhor. Ou se gosta muito ou se detesta bastante. Se a justiça é cega, então não é justa. “Questões de Moral” não pretende ser moralista ou Joel Costa um qualquer arauto da pureza que ninguém tem. Apenas desmascarar ou desmistificar algumas das inúmeras ilusões negativas que nos poluem a cada momento. Arredam-se cortinas. Faz-se um pouco de luz onde predomina a escuridão. E já não é tarefa pouca.
Quem gosta, sente-se compreendido e aprecia devidamente. Quem não gosta, coma menos! Neste programa não há meias tintas.
Como sou adepto da verdade, sou declaradamente fã deste homem. E você?


Adenda (em 22 Nov. 2012):

A versão que os inquilinos da direcção da Antena 2 puseram entretanto a correr de que foi Joel Costa a pedir para deixar de fazer o programa é redondamente falsa. Fonte fidedigna assegurou-me que, não podendo acumular a pensão de reforma da Segurança Social com a remuneração pela realização do "Questões de Moral", o Sr. Joel Costa disponibilizou-se, tal como a lei prevê, a abdicar desta última já que o valor da pensão é superior, e eles recusaram.
Se o Sr. Aníbal Cavaco Silva pôde ficar com as pensões da Caixa Geral de Aposentações e do Banco de Portugal (que totalizam quase 12 mil euros mensais), em detrimento do vencimento de Presidente da República (ainda assim continuando a usufruir das demais regalias inerentes ao cargo) por que motivo é negado ao cidadão Joel Costa o exercício do mesmo direito?

12 comentários:

Jorge disse...

Também eu.
E o que fazer?

Unknown disse...

Concordo com o que foi dito e acho necessário, se essa for a vontade do autor Joel Costa, exigir a continuação do seu programa através dos meios legais existentes, e em igualdade de circunstâncias com os demais cidadãos. Não deixemos esta grande perda consumar-se. Pela cultura. Pelo simples facto de nos admitirmos racionais.

dnubpa disse...

Curioso, após ler o que aqui foi, tão bem, escrito, fico com a estranha sensação de que alguém me leu o pensamento. Fui um dos que começou a ouvir a Antena 2 apenas por culpa do Grande Joel Costa, e, também por isso, sinto que lhe devo o respeito de terminar agora a audiçao da Antena 2.

Bem Haja Joel

Unknown disse...

Email enviado hoje a Joel Costa:
Escreve-lhe um cidadão, ouvinte há vários anos do seu programa Questões de Moral.
Suponho que é a primeira vez que o contacto e faço-o agora pelas razões de moral adjacentes ao fim do seu programa na Antena 2.
Soube do seu email e arrisco a escrever-lhe dando-lhe conta das minhas preocupações quanto a este facto e quanto ao que se pode fazer e/o que pode ser feito nas actuais circunstâncias.
Adivinho que estaremos na mesma faixa etária e é notória a identificação das suas preocupações de moral com as minhas; já assisti a muitas tropelias do gentio que ora vai tomando conta dos destinos do mundo e esta é mais uma daquelas que visam manter o homo-sapiens em baixo estágio de desenvolvimento, como forma de manter o domínio da mediocridade sobre a inteligência, da igorância sobre a cultura, e muito mais aspectos retrógados que é redundante aqui citar.
Meu caro Joel Costa (permita-me a liberdade do tratamento) tenho nos ombros muitos anos de luta, sob as mais diversas formas, contra justamente a ignorância, a mediocridade, a desorganização e o alheamento; estou desiludido com o caminho que as coisas vão tomando, mas não me sinto derrotado, pois sei que o futuro, apesar de se apresentar negro, é inevitável que leve o ser humano a um estágio superior da sua vivência; a minha certeza advem de saber que isso é próprio da natureza humana é é inevitável que venhamos, como seres humanos, a percorrer o caminho que nos leva a tal.
A sua dispensa da feitura de um programa como o Questões de Moral é mais um episódio dessa dialética que se vem desenvolvendo há já algum milénios; mas não se acanhe que a razão e a inteligência vão ganhando sobre os medíocres moços de recados, os quais agora estão por cima, provisóriamente. A história se encarregará de os varrer para o caixote do lixo. A menoridade mental só se mantém pela prepotência e pela violência, e enquanto o nível de ignorância e organização estiver insuficiente; quando este pressuposto se inverte acontece história.
No que se refera ao programa Questões de Moral estou em contacto com dois ouvintes que nunca vi nem conheço pessoalmente mas que nos sentimos unidos na rejeição do fim abrupto do mesmo. Muito provavelmente haverá mais aspectos que desconhecemos e não parece que haja alternativa do que alargar os contactos de forma a adquirir o conhecimento que falta para enquadrar a nossa atitude e possível acção.
Neste sentido muito gostaríamos que nos desse uma palavra sobre a sua disponibilidade para continuar a feitura do Questões de Moral ou doutra realização que aproveitasse as suas inegáveis qualidades tão bem demonstradas ao longo destes anos. Não ignoro que a idade e a saúde são algumas das hipotéticas dificuldades de qualquer ser humano, mas poderá haver outras que só o próprio deverá equacionar e divulgar.
O que quero é equacionar uma correcta e eficaz acção no sentido de reverter a situação do Questões de Moral, ou apoiar uma outra acção que viabilize a divulgação do muito que ainda tem para nos transmitir; sim, não acredito que uma pessoa com a sua vivência tenha concluído que chegou ao fim da sua actividade útil e resolva ficar mudo e quedo!
Resumindo, penso que, nós ouvintes e pagantes do serviço público, podemos fazer alguma coisa. O quê é a questão de moral que se me coloca.
Vou dar conhecimento desta missiva aos outros ouvintes com quem estou em contacto e, entretanto, incluo o texto dum email anterior por mim enviado aos mesmos e que acrescenta mais um pouco ao que já escrevi.
Ficamos a aguardar alguma palavra da sua parte,
José Manuel Ferreira, Rana, Cascais

Felisberto disse...

Basicamente este programa era o único que eu ouvia na rádio ou televisão e muito me entristece o seu desaparecimento.
Em todo o caso a rádio e a televisão são meios ultrapassados. Para quando um podcast ou um canal de youtube "Questões de moral"?

jomi disse...

Como eu me revejo nas suas palavras!!! Fui um ouvinte incondicional e admirador do "Questões de Moral" e lamentei profundamente aquela 2ª feira que pôs termo ao melhor programa, que me lembre, de todos os tempos da Antena 2. Mesmo nos anos em que vivi em Espanha, não perdi um único através dos Podcasts. Recordo bem (e aqui lhe dou razão)de outros programas intragáveis e do mais baixo nível da estação. Permita-me dar "o nome aos bois" para citar por exemplo, o inenarrável "Preto no Branco" com um apresentador "híper palavroso", uma senhora a debitar bitaites culturais e um senhor com vocabulário tão venenoso que, se um dia trincasse a língua, morreria envenenado.
Só hoje vi o seu blogue e, como se vê passado todo este tempo, o Joel Costa não regressou à A 2. A Cultura, a Boa Disposição e demais qualidades de que tão precisos estamos, estão de luto.

Baltazar Garção disse...

Muito apoiado.

Baltazar Garção disse...

Note-se que Joel Costa pode ser lido no blogue «Questões de Moral» (www.questoesdemoral.blogspot.com).

jomi disse...

Sou dos que ficou mais pobre desde que "chumbaram" as "Questões de Moral" o melhor (talvez de todos os tempos) programa da Antena 2. Com o tempo este canal cultural(?) foi resvalando para a mediocridade e para a rotina. Agora é "lá vai disco, lá vai anúncio", programas mascarados com uns nomes castiços. Programas como "Preto no Branco" ou "Império dos Sentidos", cuja continuação dos mesmos desconheço, pois deixei de ouvir a Antena 2 há uns dois ou três anos, roçavam o irritável. Mas, um conselho a quem quer ouvir boa música e, principalmente, emissoras de grande nível e grande dinamismo, isso é hoje muito fácil. Basta baixarem a app "TuneIn Radio" e têm o que há de melhor a partir dos mais variados países. Só um exemplo: a fantástica "Radio Clasica" dos nossos vizinhos espanhóis da RTVE, com programas de grande nível e, muitos deles em diálogo com os ouvintes. Um exemplo é o "Música a la Carta", em que, diariamente os ouvintes telefonam a pedir uma música. Isso é a melhor forma de auscultar o gosto de quem os ouve. Mas há muito mais: por exemplo o podcast diários da mesma estação "Grandes Ciclos". Ou Avro-tros da Holanda, ou a "ABC classic FM" da Austrália, ou a "BBC Radio 3", ou, ou, ou... muitas alternativas ao lixo debitado pela nossa paupérrima estação para a qual pagamos na conta da luz mesmo NÃO A OUVINDO!!!
Façam como eu, virem as costas a esta medicridade.

Manuel Lagido disse...

Pois eu também, passados todos estes anos sobre o fim do programa "Questões de Moral" me sinto ainda com a nostalgia da sua perda.Mas obtive um certo consolo com a leitura destes comentários anteriores que enalteço pela muito boa qualidade literária e assertividade!

jomi disse...

Senhor Manuel Lagido
O senhor veio reavivar-me a dor desta perda irreparável. Questões de Moral e o seu autor, Joel Costa, ficaram-me na memória como um monumento à cultura desempoeirada. Mas o mundo é assim: os medíocres têm inveja dos talentosos. E os que tomaram de assalto a Antena 2 transformaram-na num lixo medíocre e mal cheiroso. Há anos que deixei de ouvir o lixo, a rotina, a mediocridade, apresentados por narcisos que gostam muito de saborear a sua própria voz.
Com as novas tecnologias delicio-me, através de streaming, seja em casa, seja em viagem de carro, com estações desde a Espanha, aos Estados Unidos, passando pela Alemanha, Holanda, até à Austrália.
Só choro os quase 3€ que me são debitados mensalmente na conta da luz sem que eu nada possa fazer. Uma dica: baixem APP TuneInRadio e deixem morrer quem não é digno de viver.
O meu maior profundo protesto, a minha forte repulsa pela mediocridade a que levaram a dita estação, perdão, o dito apeadeiro.

Anónimo disse...

Joel...! Como estás? (Diz-me)