25 setembro 2012

Em memória de Luiz Goes (1933-2012) (II)

Registo com muito agrado que o realizador Edgar Canelas tenha consagrado as duas horas da anterior edição (dia 24 de Setembro) do programa "Alma Lusa (Fim-de-Semana)" a Luiz Goes, resgatando do arquivo histórico da RDP duas entrevistas do cantor, uma concedida ao próprio Edgar Canelas em 2006 (se bem me lembro, transmitida no programa "Vozes da Lusofonia") e outra concedida a Judite Lima, da Antena 2. Nunca tinha ouvido esta última e, por isso, o meu redobrado reconhecimento a Edgar Canelas pela sua louvável iniciativa. Digo-o com o maior à vontade, pois já tive o ensejo de criticar o realizador por algumas opções editoriais, designadamente no programa "Vozes da Lusofonia". O que se lamenta (e nisso o Sr. Edgar não tem – obviamente – qualquer responsabilidade) é que devido ao horário algo esconso a que o programa vai para o ar (é bom não esquecer que termina às 02:00 da madrugada em véspera de um dia de trabalho) muitos dos potenciais apreciadores/descobridores da obra de Luiz Goes o não tenham ouvido. Mantém-se, portanto, pertinente a observação crítica que fiz no anterior texto ao incompreensível e insustentável autismo da direcção de programas da Antena 1 perante o desaparecimento do grande artista. Refira-se, a talhe de foice, que se passou algo de muito semelhante aquando da morte da cantora Maria Clara, em Setembro de 2009. Pessoalmente, nem sou um especial apreciador do estilo musical em que Maria Clara se enquadra (vulgarmente e depreciativamente apelidado de "nacional-cançonetismo"), mas não me custa nada reconhecer a qualidade da voz e, escusado será dizer, a importância que teve no panorama musical português durante três décadas antes do 25 de Abril. Nessa medida, a rádio pública tinha a obrigação moral e cívica de assinalar condignamente o seu desaparecimento. É caso para dizer: «Antena 1: uma rádio com má memória».

19 setembro 2012

Em memória de Luiz Goes (1933-2012)



«O melhor cantor que terá passado por Coimbra, in illo tempore (em todos os tempos).» [João Conde Veiga]

«O que um leigo em música, mas com alguma sensibilidade, pode dizer é que se trata de uma voz portentosa: cheia, poderosa, de forte acento abaritonado mas de enorme amplitude, com plasticidade e timbre raros, que permite ao Goes alcançar com a maior naturalidade, interpretações de qualidade e brilho inimitáveis, a que também não são estranhas a inteligência dos poemas e das circunstâncias e a emotividade que lhe é própria.» [António Toscano]

«A sua obra é um monumento humano. É obra moça. Não exibe velhices precoces, é fruto de uma personalidade riquíssima, de uma sensibilidade invulgar e de uma visão plural da vida.
– É através de ti, da tua voz, das tuas interpretações, dos teus poemas, que Coimbra ultrapassa os limites da cidade, vai mais longe. Vai ao encontro de quem sonha, do homem só, adquire sangue novo.
Os labirintos da nossa alma profunda percorrem as suas canções. São pedaços de nós, de Portugal, de uma paisagem física e humana que visceralmente somos.» [Carlos Carranca]

«Com Amália e Carlos Paredes, Luiz Goes está na galeria dos grandes intérpretes do século XX, expressões maiores do ser português.» [José Henriques Dias]


Tão rasgados panegíricos não chegaram – infelizmente – para poupar a produção de Luiz Goes ao criminoso boicote pelos sucessivos editores da 'playlist' da Antena 1, desde que foi implantada em 2003, presumivelmente em consonância com as orientações de António Luís Marinho e de Rui Pêgo. Pergunta-se: será mesmo razoável que um artista de tal dimensão apenas surgisse (ainda assim, de tempos a tempos) nos espaços musicais da responsabilidade de Edgar Canelas ("Vozes da Lusofonia" e "Alma Lusa") e no programa "Lugar ao Sul"?
E como se explica que a Antena 1, ontem e hoje, tenha ficado quase alheada do seu falecimento? Digo "quase" porque só lhe fizeram referência, segundo me apercebi, João Paulo Guerra (na revista de imprensa – hoje, às 08:20) e Edgar Canelas (na rubrica "Alma Lusa" – hoje, às 12:50 e às 15:50). Muito pouco, quando seria expectável e de elementar justiça que a rádio estatal lhe rendesse ampla e conveniente homenagem pelo muito que deu à música portuguesa. O que poderia ser feito, sem prejuízo da realização de um programa evocativo, com a transmissão no início de cada hora da emissão de continuidade de um dos espécimes do seu repertório. Enfim!... mais uma clamorosa falha do "serviço público de rádio" que deixo à consideração de quem tem por competência monitorizá-lo e avaliá-lo.

Em jeito de tributo à memória de Luiz Goes, o blogue "A Nossa Rádio" destaca quatro das suas mais sublimes criações: "Homem Só, Meu Irmão", "Poema para um Menino", "Cantiga para Quem Sonha" e "É Preciso Acreditar".



Homem Só, Meu Irmão



Letra e música: Luiz Goes
Intérprete: Luiz Goes* (in LP "Canções do Mar e da Vida", Columbia/VC, 1969, reed. EMI-VC, 1995; CD "O Melhor de Luiz Goes", EMI-VC, 1989; Livro/4CD "Canções Para Quem Vier: Integral 1952-2002": CD 3, EMI-VC, 2002; CD "O Melhor de Luiz Goes", Valentim de Carvalho/Iplay, 2008)




[instrumental]

Tu, a quem a vida pouco deu,
que deste o nada que foi teu
        em gestos desmedidos...
Tu, a quem ninguém estendeu a mão
e mendigas o pão dos teus sentidos,
        homem só, meu irmão!

[instrumental]

Tu, que andas em busca da verdade
e só encontras falsidade
        em cada sentimento,
inventa, inventa, amigo, uma canção
que dure para além deste momento,
        homem só, meu irmão!

[instrumental]

Tu, que nesta vida te perdeste
e nunca a mitos te vendeste
        – dura solidão –,
faz dessa solidão teu chão sagrado,
agarra bem teu leme ou teu arado,
        homem só, meu irmão!


* Viola – João Figueiredo Gomes
Gravado nos Estúdios Valentim de Carvalho, Paço d'Arcos, em Julho de 1969
Técnico de som – Hugo Ribeiro



Poema para um Menino



Letra e música: Luiz Goes
Intérprete: Luiz Goes* (in LP "Canções de Amor e de Esperança", Columbia/VC, 1972, reed. EMI-VC, 1995; CD "O Melhor de Luiz Goes", EMI-VC, 1989; Livro/4CD "Canções Para Quem Vier: Integral 1952-2002": CD 3, EMI-VC, 2002; CD "O Melhor de Luiz Goes", Valentim de Carvalho/Iplay, 2008)




[instrumental]

Menino sem amor nascido,
menino sem amor gerado,
tão puro como um chão de trigo
crescido sem ser semeado...

Quando à noite houver luar,
mesmo que seja de frio,
desce o rio, faz-te ao mar
– cabe lá sempre um navio!

[instrumental]

Menino que de mim chegaste,
menino que de mim partiste,
chorei-me quando tu choraste,
sorri-me quando tu sorriste...

Quando à noite houver luar,
mesmo que seja de frio,
sem navio p'ra embarcar,
– seja eu o teu navio!

[instrumental]


* Violas – António Toscano e João Figueiredo Gomes
Gravado nos Estúdios Valentim de Carvalho, Paço d'Arcos, em Dezembro de 1971
Técnico de som – Hugo Ribeiro



Cantiga para Quem Sonha



Letra: Leonel Neves
Música: João Figueiredo Gomes
Intérprete: Luiz Goes* (in LP "Canções de Amor e de Esperança", Columbia/VC, 1972, reed. EMI-VC, 1995; CD "O Melhor de Luiz Goes", EMI-VC, 1989; Livro/4CD "Canções Para Quem Vier: Integral 1952-2002": CD 3, EMI-VC, 2002)




[instrumental]

Tu, que tens dez réis de esperança e de amor,
Grita bem alto que queres viver!
Compra pão e vinho, mas rouba uma flor!
Tudo o que é belo não é de vender.

Não vendem ondas do mar,
Nem brisa ou estrelas,
Sol ou lua cheia.
Não vendem moças de amar,
Nem certas janelas
Em dunas de areia.

Canta, canta como uma ave ou um rio!
Dá o teu braço aos que querem sonhar!
Quem trouxer mãos livres ou um assobio,
Nem é preciso que saiba cantar.

[instrumental]

Tu, que crês num mundo maior e melhor,
Grita bem alto que o céu está aqui!
Tu, que vês irmãos, só irmãos, em redor,
Crê que esse mundo começa por ti!

Traz uma viola, um poema,
Um passo de dança,
Um sonho maduro.
Canta glosando este tema:
Em cada criança
Há um homem puro.

Canta, canta como uma ave ou um rio!
Dá o teu braço aos que querem sonhar!
Quem trouxer mãos livres ou um assobio,
Nem é preciso que saiba cantar.

[instrumental]

Canta, canta como uma ave ou um rio!
Dá o teu braço aos que querem sonhar!
Quem trouxer mãos livres ou um assobio,
Nem é preciso que saiba cantar.

[instrumental]


* Violas – António Toscano e João Figueiredo Gomes
Gravado nos Estúdios Valentim de Carvalho, Paço d'Arcos, em Dezembro de 1971
Técnico de som – Hugo Ribeiro



É Preciso Acreditar



Poema: Leonel Neves
Música: Luiz Goes
Intérprete: Luiz Goes* (in LP "Canções de Amor e de Esperança", Columbia/VC, 1972, reed. EMI-VC, 1995; CD "O Melhor de Luiz Goes", EMI-VC, 1989; Livro/4CD "Canções Para Quem Vier: Integral 1952-2002": CD 3, EMI-VC, 2002; CD "O Melhor de Luiz Goes", Valentim de Carvalho/Iplay, 2008)




[instrumental]

É preciso acreditar!
É preciso acreditar
que o sorriso de quem passa
é um bem p'ra se guardar;
que é luar ou sol de graça
que nos vem alumiar,
com amor, alumiar!

É preciso acreditar!
É preciso acreditar
que a canção de quem trabalha
é um bem p'ra se guardar;
que não há nada que valha
a vontade de cantar,
a qualquer hora cantar!

[instrumental]

É preciso acreditar!
É preciso acreditar
que uma vela ao longe solta
é um bem p'ra se guardar;
que se um barco parte ou volta,
passará no alto mar
e que é livre o alto mar!

É preciso acreditar!
É preciso acreditar
que esta chuva que nos molha
é um bem p'ra se guardar;
que sempre há terra que colha
um ribeiro a despertar
para um pão por despertar!

[instrumental]


* Guitarra – António Andias
Viola – Durval Moreirinhas
Gravado nos Estúdios Valentim de Carvalho, Paço d'Arcos, em Dezembro de 1971
Técnico de som – Hugo Ribeiro
Texto sobre o disco em: Grandes discos da música portuguesa: efemérides em 2007
Biografia e discografia em: A Nossa Rádio
URL: http://www.macua.org/biografias/luisgoes.html
http://www.infopedia.pt/$luiz-goes
http://www.portaldofado.net/content/view/442/280/
http://fado.com/index.php?option=com_content&task=view&id=109&Itemid=0
http://palcoprincipal.sapo.pt/bandasMain/luiz_goes
http://cotonete.iol.pt/artistas/musicas.aspx?id=1595
http://www.last.fm/pt/music/Luiz+Goes

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Outros textos sobre Luiz Goes neste blogue:
Galeria da Música Portuguesa: Luiz Goes
Grandes discos da música portuguesa: efemérides em 2007
Luiz Goes: "É Preciso Acreditar"
Grandes discos da música portuguesa: efemérides em 2008
"A Vida dos Sons": deseja-se menos cinzenta e mais multicolor (II)
"A Vida dos Sons": deseja-se menos cinzenta e mais multicolor (V)