20 agosto 2012

"A Vida dos Sons": deseja-se menos cinzenta e mais multicolor (VII)

A edição do programa "A Vida dos Sons" relativa ao ano de 1974 teve, também, o triste condão de pecar por defeito em matéria cultural.
Tivemos:

1. Transmissão de alguns fragmentos da versão instrumental/jazzística de "Grândola, Vila Morena", integrante do álbum "The Ballad of the Fallen" (1982), de Charlie Haden & Carla Bley [>> YouTube], em fundo ao texto em que se tratou das operações militares do 25 de Abril de 1974, com declarações do seu organizador, Otelo Saraiva de Carvalho (dadas à Antena 1, em 2008);
2. Menção da publicação do livro "Portugal e o Futuro", do general António de Spínola, e subsequente transmissão de um excerto da entrevista concedida à Antena 1 pelo general Almeida Bruno, em 2004;
3. Transmissão da gravação (aparentemente da emissão em onda média do programa "Limite", da Rádio Renascença) com o jornalista e poeta Leite de Vasconcelos a dizer a primeira quadra de "Grândola, Vila Morena", de José Afonso, seguida de um breve trecho da canção propriamente dita, que funcionou como senha (a segunda) para o arranque das operações militares ["Grândola, Vila Morena" >> YouTube] [>> YouTube] [>> YouTube];
4. Transmissão dos primeiros compassos da marcha militar inglesa "Life on the Ocean Wave", composta por Henry Russell (1838) e interpretada pela H.M. Royal Marines Bands [>> YouTube], que foi adoptada como hino do MFA (Movimento das Forças Armadas) [>> YouTube], em introdução à transmissão do comunicado lido por Joaquim Furtado aos microfones do Rádio Clube Português, na madrugada de 25 de Abril [>> YouTube]; tal como no ponto anterior, não foi identificada a voz do locutor, o que representa, no mínimo, uma aviltante desconsideração pelas pessoas que, corajosamente, deram voz ao movimento, mesmo não sabendo qual viria a ser o seu desfecho;
5. Transmissão do quadro "Zé Povinho", da revista "Até Parece Mentira", levada à cena no Teatro Maria Vitória, em 1974, com Henrique Santana entoando uma canção satírica à PIDE, com música de fados bem conhecidos: "Fado Marialva" (Jaime Mendes), "Biografia do Fado" (Frederico de Brito) e "Canoas do Tejo" (Frederico de Brito);
6. Transmissão de um excerto da canção "É o que me interessa", pelo cantor Lenine [>> YouTube] [ao vivo no programa "Radiola", da TV Cultura >> YouTube], antes de se falar da ditadura militar brasileira e do ataque impiedoso e sangrento do exército a um grupo de cerca de 70 estudantes, ligados ao Partido Comunista brasileiro, radicados junto do rio Araguaia, na Amazónia [>> YouTube]; transmissão de um depoimento de Romualdo Campos, professor da Universidade de Goiás, falando da guerrilha de Araguaia;
7. Transmissão de um excerto do "Himno a la Unidad Sandinista", de Carlos Mejía Godoy [>> YouTube], antes de ser abordado o ataque desencadeado por treze guerrilheiros da Frente Sandinista de Libertação Nacional à residência do ministro nicaraguense da Agricultura, do governo do ditador Anastasio Somoza; este último será apeado do poder em 1979, vindo a ser assassinado, a 17 de Setembro de 1980, na capital do Paraguai, Assunção [>> YouTube];
8. Transmissão de um excerto de um depoimento do astrofísico norte-americano Frank Drake, a respeito de sinais de rádio recebidos do Espaço, supostamente provenientes de criaturas inteligentes que pululam no Universo [conferência da Universidade de Postdam, Alemanha >> YouTube];
9. Referência à descoberta, a 24 de Novembro de 1974, de parte do esqueleto de um Australopithecus afarensis, com aproximadamente 3,2 milhões de anos, pelo antropólogo norte-americano Donald Johanson, em Hadar, no deserto de Afar, na Etiópia, ao qual seria dado o nome de Lucy; transmissão de um excerto de uma entrevista concedida pelo cientista, seguida de um breve trecho do tema dos Beatles "Lucy in the Sky with Diamonds" [>> YouTube], integrante do álbum "Sergeant Pepper's Lonely Hearts Club Band" (1967) [completo >> YouTube];
10. Transmissão de duas pequenas passagens do tema "Liberdade", de Sérgio Godinho [>> YouTube] [>> YouTube], funcionando como ilustração sonora da alusão ao surgimento, após o 25 de Abril de 1974, de uma catadupa de livros, filmes, peças de teatro e canções que haviam sido proibidos pela Censura;
11. Transmissão, à laia de remate final ao programa, de um fragmento do programa "Sangue Latino", do Canal Brasil, gravado em 2009, com o jornalista e escritor uruguaio Eduardo Galeano reflectindo sobre as injustiças do século XX e a esperança (não definitivamente perdida) de que o sonho de paz e justiça ainda se possa concretizar no presente século [>> YouTube] ["El Derecho al Delirio" ("O Direito ao Delírio") >> YouTube].

Foram ignorados:

1. Falecimento do escritor Ferreira de Castro; nascido em 1898, na aldeia de Ossela, concelho de Oliveira de Azeméis, no seio de uma família humilde, José Maria Ferreira de Castro ficou órfão de pai aos oito anos de idade; em 1911, emigrou para o Brasil, tendo trabalhado como empregado de armazém no seringal Paraíso, junto do rio Madeira, em plena selva amazónica, durante quatro sofridos anos; posteriormente, residiu em Belém do Pará, onde publicou o romance juvenil "Criminoso por Ambição" (1916); de regresso a Portugal, em 1919, foi director do hebdomadário "O Diabo" e redactor do jornal "O Século" e da revista "ABC"; fundou "A Hora: revista panfleto de arte, actualidades e questões sociais" (1922), o jornal "O Luso" e o grande magazine mensal "Civilização" (1928-1937); entre 1923 e 1927, publicou várias novelas – que viria mais tarde a renegar – até, em 1928, ao publicar "Emigrantes" (história de um pobre aventureiro fracassado), se consagrar como romancista numa ficção onde a pesquisa estética é submetida a ideais humanísticos e sociais; o romance "A Selva", editado em 1930, continua e aprofunda esse ideário humanista tratando do drama dos seringueiros na Amazónia, em situações vivamente descritas, com uma objectividade quase fotográfica; com efeito, a publicação de "Emigrantes", seguida de "A Selva", alcançando um êxito extraordinário, no Brasil e noutros países, apontava, segundo Álvaro Salema, «insuspeitadas possibilidades de um realismo novo» que, cerca de uma década mais tarde, com Alves Redol, Manuel da Fonseca, Carlos de Oliveira, Fernando Namora e outros, teria tradução no neo-realismo; a sua produção romanesca prossegue com "Eternidade" (1933), centrado na revolta da Madeira (o povo em fúria contra a Guarda Nacional Republicana), "Terra Fria" (1934), uma história de adultério entre um "americano" de torna-viagem e uma camponesa transmontana casada, e "A Lã e a Neve" (1947), romance de vincado recorte neo-realista cuja acção decorre nas faldas de Serra da Estrela, entre a pastorícia e a tecelagem nas fábricas de lanifícios da Covilhã, "A Curva na Estrada" (1950) cuja acção decorre na Espanha dos anos 30, com o dirigente socialista Álvaro Soriano, a braços com desencantos e ambições, e a figura exemplar do jornalista Pepe Martinez que acredita no amor pelos outros e num mundo de justiça, e "A Missão" (1954), conjunto de novelas onde nos aparecem a Resistência em França no interior de um convento, lendas, dramas, um bordel, pequenos e grandes infortúnios; as dificuldades levantadas pelo regime salazarista à livre expressão do pensamento obrigam o autor a interromper a escrita ficcional para se dedicar às impressões de viagem, dedicando-se, entre 1959 e 1963, à publicação de "As Maravilhas Artísticas do Mundo ou a Prodigiosa Aventura do Homem Através da Arte"; recebendo homenagens literárias em vários países e vendo os seus livros traduzidos em várias línguas ("A Selva" tornou-se um dos livros portugueses mais traduzidos em todo o mundo), Ferreira de Castro assistiria ao culminar do reconhecimento da sua obra com uma vibrante celebração do seu cinquentenário de vida literária, em Portugal e no Brasil, e com, após a publicação do romance "O Instinto Supremo" (1968), a apresentação pela União Brasileira de Escritores da sua candidatura, conjunta com a de Jorge Amado, ao Prémio Nobel da Literatura; esta adesão à obra de Ferreira de Castro foi indissociável da admiração que grande número de leitores devotou à atitude de inflexível resistência do escritor, à sua determinação de não pactuar de qualquer modo com o Estado Novo, postura manifestada, por exemplo, na decisão de não colaborar com a imprensa portuguesa enquanto vigorasse o regime de censura, no facto de não permitir que nenhuma obra sua fosse adaptada ao cinema (financiado pelo Estado), ou na adesão a movimentos democráticos; recebeu, entre outras distinções, o Prémio Internacional Águia de Ouro do Festival do Livro de Nice e foi eleito, em 1962, presidente da direcção da Sociedade Portuguesa de Escritores, sucedendo a Aquilino Ribeiro, Jaime Cortesão e Joaquim Paço d'Arcos; um ano antes de falecer doou o seu espólio particular, literário e artístico à vila de Sintra, estando actualmente exposto no museu que enverga o seu nome, no Casal de Santo António [>> YouTube]; mais recentemente, três das suas obras maiores foram transpostas para cinema: "Terra Fria", por António Campos (1992), "Eternidade", por Quirino Simões (1995) e "A Selva", por Leonel Vieira (2002) [>> YouTube] [>> YouTube] [>> YouTube];
2. Falecimento do escritor Branquinho da Fonseca; nascido em Mortágua, a 4 de Maio de 1905, era filho do polemista e escritor Tomás da Fonseca; distinguiu-se como poeta, autor dramático, ficcionista e tradutor (Georges Duhamel, Stendhal, entre outros); com Afonso Duarte, Vitorino Nemésio, António de Sousa e João Gaspar Simões, dirigiu a revista coimbrã "Tríptico" (1924); fundou, em 1927, com José Régio e João Gaspar Simões, a Folha de Arte e Crítica "Presença", e, após uma dissidência com o grupo presencista, fundou ainda com Adolfo Rocha (Miguel Torga) a revista "Sinal" (1930), de apenas saiu um número; além destas publicações, colaborou em "O Diabo", "Manifesto" e "Litoral"; foi nas páginas da "Presença" que publicou os textos dramáticos "A Posição de Guerra" e "Os Dois" (posteriormente recolhidos com "Curva do Céu", "A Grande Estrela", "Rãs" e "Quatro Vidas", no volume único de "Teatro", publicado, em 1939, com o pseudónimo de António Madeira), numa dramaturgia que, segundo Luiz Francisco Rebello (in "100 Anos de Teatro Português", 1984), combina «elementos de progénie simbolista com certas experiências surrealistas», e que, na opinião do mesmo estudioso, prolongam, «na geração presencista, o vanguardismo de "Orpheu", de que no sector dramatúrgico Almada Negreiros foi o mais lídimo representante»; na poesia, Branquinho da Fonseca revelou-se logo, em 1926, com "Poemas", colectânea que estabelece a continuidade com o modernismo «tanto pela aguda desconfiança a alternar com a crença desmedida nos poderes da palavra, como pelo reiterado pendor para a visão alucinatória do concreto e para a expressão aparentemente cândida do insólito.» (David Mourão-Ferreira); mas foi sobretudo no conto que o escritor mais se notabilizou, através de uma escrita espessa, que se presta a interpretações psicológicas, sociais, simbólicas, numa hábil capacidade de misturar o real e o imaginário, o fantástico e o concreto, e de que a famosa novela "O Barão" (1942), amplamente traduzida, constitui um dos exemplos mais significativos [versão cinematográfica de Edgar Pêra, 2011 >> YouTube]; licenciado em Direito pela Universidade de Coimbra, em 1930, António Branquinho da Fonseca exerceu a profissão de conservador de registo civil em Marvão (1935) e Nazaré (1936), e dirigiu o Museu-Biblioteca Conde de Castro-Guimarães, em Cascais, e, desde a sua criação em 1958, o Serviço de Bibliotecas Fixas e Itinerantes da Fundação Calouste Gulbenkian;
3. Falecimento do arquitecto Raul Lino; nascido a 21 de Novembro de 1879, estudou em Windsor, Inglaterra (1890) e no Instituto de Hanôver, na Alemanha (a partir de 1893); trabalhou no atelier do arquitecto alemão Karl Albrecht Haupt, um especialista em arquitectura medieval e renascentista de Itália e da Península Ibérica; foi um prolífico autor, responsável por mais de 700 projectos, tendo também deixado obra escrita em que teoriza sobre a arquitectura portuguesa, por vezes alvo de controvérsia; dessas obras destacam-se "A Casa Portuguesa" (1929) e "Casas Portuguesas" (1933), nas quais procura sistematizar as características específicas da arquitectura portuguesa, propondo modelos de moradias a serem adoptados por outros arquitectos; as obras terão grande influência nas décadas de 30 e 40, sendo mesmo inspiradoras da tentativa de criação de uma arquitectura oficial do Estado Novo e, nessa medida, suscitando forte antagonismo da geração modernista mais virada para modelos euro-americanos; viajou muito por Portugal e pelas colónias tomando apontamentos sobre elementos e aspectos da arquitectura tradicional que viria a integrar nos seus projectos; desempenhou também os cargos de Director-Geral dos Monumentos Nacionais (1949) e de presidente da Academia Nacional de Belas-Artes (a partir de 1967); o seu espólio foi entregue à Biblioteca de Arte da Fundação Calouste Gulbenkian; entre as suas obras arquitectónicas contam-se a Casa Rey Colaço, no Monte Estoril (1901), a Casa O'Neill, em Cascais (1902), a Casa da Quinta da Comenda, em Setúbal (1903), a Casa José Relvas ou Casa dos Patudos, em Alpiarça (1904), a Casa do Cipreste, em Sintra (1912), e o Cinema Tivoli, em Lisboa (1924);
4. Falecimento do pintor Lino António; nascido em Leria, em 1898, estudou Pintura nas Escolas de Belas-Artes de Lisboa e do Porto, onde foi discípulo de João Marques de Oliveira; tendo feito a primeira exposição individual na cidade natal, no ano de 1918, e exposto na Sociedade Nacional de Belas-Artes (1924), em Lisboa, o seu nome impôs-se definitivamente com a decoração da Sala do Comércio, no Palácio de Portugal, na Exposição Colonial de Paris (1932); foi professor metodológico de Desenho e Pintura do ensino técnico e director da Escola de Artes Decorativas António Arroio (Lisboa), onde se manteve até à aposentação; desde muito novo empenhou-se na renovação da arte em Portugal, tradicionalmente enfeudada ao academismo; entre as muitas obras que realizou para edifícios públicos, constam: o friso da sala do Presidente da Assembleia da República (1938), os frescos do arco triunfal e da varanda do coro da Igreja de Nossa Senhora de Fátima, em Lisboa (1938), os vitrais da Casa do Douro, em Peso da Régua (1945), os frescos e vitrais do Salão Nobre da Câmara Municipal de Vila Franca de Xira (1949), o painel cerâmico do átrio principal do LNEC (1952), os painéis cerâmicos da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (1957), os frescos e vitrais do Salão Nobre da Câmara Municipal da Covilhã (1957), a tapeçaria Olisipo, do Hotel Ritz, em Lisboa (1959), os vitrais do grande pórtico da Aula Magna, em Lisboa (1961) e os frescos do átrio principal da Biblioteca Nacional (1966) (http://linoantonio.no.sapo.pt/);
5. Falecimento do professor e compositor Jorge Croner de Vasconcelos; fez os estudos de música no Conservatório Nacional, onde foi aluno de Alexandre Rey Colaço, de António Eduardo da Costa Ferreira e de Luís de Freitas Branco; em 1934 rumou a Paris, para frequentar a École Normale de Musique onde recebeu lições de Paul Dukas, Nadia Boulanger, Igor Stravinsky e Alfred Cortot; regressado a Portugal, em 1938, ingressou como professor de História da Música na Academia de Amadores de Música, em Lisboa, e a partir de 1939 passou a exercer as funções de professor de Composição, de Canto e de História da Música no Conservatório Nacional, deixando a sua marca em gerações sucessivas de músicos e compositores portugueses; a sua intensa actividade pedagógica impediu que fosse abundante a sua produção como compositor; nas suas obras – de música dramática, coral, sinfónica, coral-sinfónica, de câmara, de piano e canções – a mistura do modalismo e do cromatismo não oculta as raízes nacionalistas, na linha da música setecentista de Carlos Seixas e de João de Sousa Carvalho ["Três Redondilhas de Camões", por Ana Madalena Moreira (soprano) e Lucjan Luc, (piano) >> YouTube];
6. Falecimento do compositor francês Darius Milhaud; nascido em Marselha, no seio de uma família judaica, frequentou o Conservatório de Paris, onde teve como professores Charles Vidor (composição) e Paul Dukas (orquestração), recebendo também lições particulares de Vincent d'Indy; ainda jovem, trava amizade com o poeta Paul Claudel e será este que, depois de nomeado embaixador no Rio de Janeiro, o virá a convidar para seu secretário, lugar que ocupa de 1917 a 1919; esta sua permanência no Brasil foi muito marcante, vindo a reflectir-se em diversas das suas obras, como os bailados "O Boi no Telhado" (Le Bœuf sur le Toit", 1919) [I Musici de Montréal, dir. Yuli Turovsky, parte 1 >> YouTube, parte 2 >> YouTube] e "O Homem e o seu Desejo" ("L'Homme et son Désir", 1921) [Orchestre de Radio Luxembourg, dir. Darius Milhaud, parte 1 >> YouTube, parte 2 >> YouTube] e as suites "Saudades do Brasil" (1921) [por Mark Bartlett (piano) >> YouTube] e "Scaramouche" (1939) [III. Brazileira, por Moritz Reinisch (saxofone alto) e Shusan Huhanyan (piano) >> YouTube]; de regresso a Paris, em 1919, integra o chamado Grupo dos Seis, com Georges Auric, Louis Durey, Arthur Honegger, Francis Poulenc e Germaine Tailleferre; dessa associação, resulta uma obra colectiva, o bailado "Mariés de la Tour Eiffel" (1921) [Philharmonia Orchestra, dir. Geoffrey Simon >> YouTube], com argumento de Jean Cocteau; em 1922, em viagem aos Estados Unidos da América, Milhaud toma contacto, no bairro nova-iorquino de Harlem, com o jazz "autêntico", que vem a influenciá-lo na composição do bailado "A Criação do Mundo" ("La Création du Monde", 1923) [Orquestra Nacional de França, dir. Leonard Bernstein >> YouTube]; em 1940, com a invasão da França pelas hordas nazis, e recaindo sobre si o duplo estigma de ser judeu e um autor de "arte degenerada", refugia-se nos Estados Unidos da América, leccionando no Mills College de Oakland (Califórnia), tendo tido entre os seus alunos o pianista de jazz Dave Brubeck, o compositor de variedades Burt Bacharach e os fundadores do minimalismo norte-americano Steve Reich e Philip Glass; regressa a França em 1947, sendo-lhe oferecida uma das cadeiras de composição no Conservatório de Paris que passa a ocupar, não deixando contudo de continuar a ensinar no Mills College de Oakland, até 1971, assim como noutras instituições de ensino americanas;
7. Falecimento do violinista russo David Oistrakh; filho de uma cantora de ópera, de ascendência judaica, nasceu na cidade de Odessa, em 1908; David Oistrakh manifestou desde muito tenra idade vocação para a música, fascinado pelo violino que considerava o seu brinquedo; estudou com o reputado professor Piotr Solomonovich Stoliarsky, vindo a apresentar-se pela primeira vez em público aos quinze anos de idade (1923), com o Concerto em lá menor, BWV 1041, de Bach [em 1961, com a English Chamber Orchestra, dir. Colin Davis >> YouTube]; esta obra, a sonata "O Trilo do Diabo", de Giuseppe Tartini [com Vladimir Yampolsky, 1950 >> YouTube], e as "Árias Ciganas", de Pablo Sarasate, constituem o seu repertório de afirmação, nessa fase inicial da carreira; no ano de 1926, em Kiev, tocou o concerto de Glazunov, sob a direcção do compositor; em 1937 vence o Concurso Internacional de Bruxelas, que lhe abre as portas de uma gloriosa carreia internacional; durante a Segunda Guerra Mundial, permanece na União Soviética e, a par da actividade lectiva no conservatório de Moscovo, toca na frente de combate para as tropas do Exército Vermelho, serviço que lhe valerá ser condecorado, em 1947, com a Ordem Lenine; David Oistrakh travou amizade com grandes compositores que escreveram obras expressamente para ele estrear: Nikolai Miaskovski (concerto para violino [parte 1 >> YouTube, parte 2 >> YouTube, parte 3 >> YouTube, parte 4 >> YouTube]), Sergei Prokofiev (sonata para violino e piano n.º 1, op. 80 [com Sviatoslav Richter, em Moscovo, 1972 – I. Andante assai >> YouTube, II. Allegro brusco >> YouTube, III. Andante >> YouTube, IV. Allegrissimo >> YouTube]), Aram Khatchatourian (concerto para violino [>> YouTube]) e Dmitri Chostakovitch (concerto para violino n.º 1, op. 77 / op. 99 [com a New York Philharmonic Orchestra, dir. Dimitri Mitropoulos – I. Nocturne >> YouTube, II Scherzo >> YouTube, III Passacaglia >> YouTube, IV Burlesca >> YouTube], concerto para violino n.º 2, op. 129 [com a Moscow Philharmonic Orchestra, dir. Kirill Kondrashin, 1967 – I. Moderato >> YouTube, II. Adagio >> YouTube, III. Adagio - Allegro >> YouTube] e sonata para violino e piano, op. 134 [com Sviatoslav Richter (piano) –  I. Andante >> YouTube, II. Allegretto >> YouTube, III. Largo – parte 1 >> YouTube, III. Largo – parte 2 >> YouTube]); a partir de 1959, dedicou-se também à direcção de orquestra, vindo a falecer em Amesterdão de ataque cardíaco, no decurso de um ciclo de Brahms com a Orquestra do Concertgebouw; a imensa discografia que deixou contém muitas gravações de referência do repertório violinístico, sendo de destacar, além das anteriormente citadas, o concerto para violino e orquestra, de Tchaikovski [com a Staatskapelle Berlin, dir. Gennady Roshdestvensky >> YouTube]; o seu filho, Igor Oistrakh foi também um exímio violinista;
8. Falecimento do pianista e compositor norte-americano Duke Ellington; de nome verdadeiro Edward Kennedy Ellington, nasceu a 29 de Abril de 1899 e deu uma enorme contribuição ao jazz e à música americana em geral, combinando o blues, o jazz e o som das grandes "big bands" de swing; a sua orquestra manteve-se no topo da popularidade de 1926 a 1974 e a edição de discos continuou para além da sua morte, pois deixou um numeroso rol de canções por gravar ou novas versões de temas antigos; com mais de 200 discos gravados, é impressionante como conseguiu manter tão abundante produção num elevado nível de qualidade; filho de um mordomo da Casa Branca, começou a ter lições de piano aos sete anos de idade, compondo os primeiros temas na adolescência; abandonou o liceu em 1917 para se dedicar inteiramente à música, fundando uma banda, os Washingtonians, que se mudaram para Nova Iorque em 1923; nos anos imediatamente seguintes, o grupo gravou diverso material, sob vários pseudónimos, para editoras diferentes pelo que, ainda hoje, a sua obra surge com diversas chancelas; o grupo foi aumentando gradualmente de dimensão, sob a liderança de Duke Ellington; tocavam no chamado estilo "jungle", com arranjos minimalistas e uma presença forte da trompete: um bom exemplo disto é a primeira canção assinada por Duke, "East St. Louis Toodle-oo" [>> YouTube], gravada inicialmente para a Vocalion Records em Novembro de 1926; no ano seguinte, a canção seria reeditada pela Columbia, tornando-se no primeiro single do grupo a figurar nas tabelas de vendas; a banda de Ellington mudou-se então para o Cotton Club, em Harlem, no ano de 1927: a sua permanência nesse clube de renome, durante três anos, granjeou-lhe ampla notoriedade e popularidade, graças à transmissão radiofónica das actuações da banda; no ano de 1928, sob a designação de Harlem Footwarmers, são editados dois singles de grande êxito: "Black and Tan Fantasy" [>> YouTube] / "Creole Love Call" [>> YouTube] e "Doin' the New Low Down" [>> YouTube] / "Diga Diga Doo" [>> YouTube]; no ano seguinte, a banda toca no musical da Broadway "Show Girl", com música de George Gershwin; em Fevereiro de 1931, o grupo deixou o Cotton Club, para iniciar uma digressão que, em boa verdade, só terminaria com a morte do líder, 43 anos depois; durante as décadas de 30 e 40, a Duke Elligton Orchestra tocou em teatros, clubes de jazz, na rádio e fez diversas digressões pelo estrangeiro, sendo conhecida pelo grande número de solistas talentosos que a compunham: em 1943, Ellington conduziu a sua banda no primeiro de nove concertos anuais no Carnegie Hall, em Nova Iorque e, em Julho de 1956, teve uma performance histórica no Festival de Jazz de Newport, com "Diminuendo and Crescendo in Blue", muito graças à soberba prestação do saxofonista tenor Paul Gonsalves [>> YouTube] [no Concertgebouw, Amsterdão, 1958 >> YouTube]; entre os temas mais famosos do seu vastíssimo repertório contam-se "Black Beauty" [>> YouTube], "The Mooche" [>> YouTube] [ao vivo >> YouTube], "Rockin' in Rhythm" [>> YouTube] [ao vivo >> YouTube], "Mood Indigo" [>> YouTube] [ao vivo >> YouTube], "It Don't Mean a Thing (If It Ain't Got that Swing)" [>> YouTube] [com Louis Armstrong >> YouTube], "Sophisticated Lady" [>> YouTube] [ao vivo >> YouTube], "Solitude" [>> YouTube], "In a Sentimental Mood" [com John Coltrane (saxofone) >> YouTube], "Echoes of Harlem" [>> YouTube], "Caravan" [>> YouTube] [ao vivo >> YouTube], "Drop Me off at Harlem" [>> YouTube] [com Louis Armstrong >> YouTube], "I Let a Song Go Out of My Heart" [>> YouTube], "Prelude to a Kiss" [>> YouTube], "Boy Meets Horn" [>> YouTube], "Satin Doll" [>> YouTube] [ao vivo >> YouTube] e "Take the a Train" [>> YouTube] [>> YouTube]; Duke Ellington compôs também obras conceptuais, algumas de grande envergadura: de grande envergadura: "Black, Brown and Beige" (1943) [parte 1 >> YouTube] [parte 3 >> YouTube], ["Blues in Orbit" >> YouTube], ["Come Sunday", com Mahalia Jackson >> YouTube], "Liberian Suite" (1948) [I. Like the Sunrise >> YouTube, Dance No. 1 >> YouTube, Dance No. 2 >> YouTube, Dance No. 3 >> YouTube, Dance No. 4 >> YouTube, Dance No. 5 >> YouTube], "Such Sweet Thunder" (1957) [1. "Such Sweet Thunder" >> YouTube] [10. "Madness in Great Ones" >> YouTube] [16. "A-Flat Minor" >> YouTube] [19. "Suburban Beauty" >> YouTube], "A Concert of Sacred Music" (1965) [>> YouTube], "Concert in the Virgin Islands" (1965) [1. "Island Virgin" >> YouTube], "Far East Suite" (1967) [1. "Tourist Point of View" >> YouTube] [2. "Bluebird of Delhi (Mynah)" >> YouTube] [3. "Isfahan" >> YouTube] [5. "Mount Harissa" >> YouTube] [6. "Blue Pepper (Far East of the Blues)" >> YouTube] [7. "Agra" >> YouTube] [8. "Amad" >> YouTube] e "New Orleans Suite" (1971) [1. "Blues for New Orleans" >> YouTube] [2. "Bourbon Street Jingling Jollies" >> YouTube] [3. "Portrait of Louis Armstrong" >> YouTube] [4. "Thanks for the Beautiful Land on the Delta" >> YouTube] [5. "Portrait of Wellman Braud" >> >> YouTube] [6. "Second Line" >> YouTube]; a Duke Ellington se devem igualmente as bandas sonoras dos filmes "Anatomia de um Crime" ("Anatomy of a Murder", 1959, de Otto Preminger) [>> YouTube] [>> YouTube] e "Paris Blues" (1961, de Martin Ritt) [>> YouTube]; a grandiosidade das comemorações do centenário do seu nascimento, em 1999, mostrou que Duke Ellington continua a ser visto como o maior compositor de jazz: apesar de se tratar de um género conhecido por privilegiar a improvisação em detrimento da composição, Duke Ellington foi talentoso o suficiente para impor a sua lógica criativa, sempre sem deixar de dar espaço aos membros da sua banda para desempenhos solistas, dotando assim o jazz de um sentido académico e institucional;
9. Falecimento do psiquiatra e psicossociólogo norte-americano Jacob Moreno; filho de judeus romenos, Jacob Levy Moreno nasceu em circunstâncias curiosas: a bordo de um barco, durante uma viagem entre Bucareste e Espanha, em 1889; não tendo sido registado pelos pais, só em 1925, ano em que emigrou para os Estados Unidos da América, obteve uma data oficial de nascimento (18 de Maio de 1889) e um estado civil; passou a infância e adolescência em Viena, vindo a formar-se em Medicina na universidade local; em 1910, propõe a grupos de crianças situações de improvisação teatral, o que já indicia o seu interesse pelos problemas de grupo e sua dinâmica, uma espécie de premonição do futuro psicodrama; a sua primeira intervenção verdadeiramente estruturada data de 1913, quando ajuda prostitutas a organizarem-se enquanto grupo: juntou oito mulheres e três homens falando-lhes de coisas banais mas acabando por ir dar aos problemas da profissão; nestas "reuniões" o objectivo principal para Moreno era «encorajar as mulheres a serem aquilo que na realidade eram: prostitutas»; Moreno considerava muito importante que no grupo ocorresse «uma psicoterapia de grupo em que não só o médico assistente, como também cada "paciente", poderia agir diante de outro "paciente" como agente terapêutico»; a esta entreajuda mútua deu Moreno o nome de encontro, uma espécie de empatia total entre os membros do grupo: «[...] aproximar-me-ei de ti e tomarei os teus olhos para os pôr no lugar dos meus, e tu tomarás os meus olhos para os pôr no lugar dos teus, e eu ver-te-ei pelos teus olhos e tu ver-me-ás pelos meus»; para Moreno, o psicodrama é «um método que confere, através da acção, autenticidade à alma possibilitando a sua catarse»; a Jacob Moreno se deve também a criação da sociometria e do teste sociométrico, que consiste em pedir a todos os membros de um grupo que designem, entre os companheiros, aqueles com quem desejariam encontrar-se, ou que prefeririam evitar, numa determinada situação; criou ainda um instrumento de análise – o sociograma – método simples mas eficaz de obter esclarecimentos bastante precisos sobre a estrutura dos grupos; Jacob Levy Moreno faleceu em Beacon, no estado de Nova Iorque, a 14 de Maio de 1974, deixando um importante contributo no campo da psicoterapia de grupo e da psicologia social; entre as suas obras mais importantes contam-se "Who Shall Survive?: A New Approach to the Problem of Human Interrelations" (1934), que teve uma edição revista, em 1953, sob o título de "Foundations of Sociometry, Group Psychotherapy and Sociodram", e "Psychodram", em 3 volumes (1946, 1959 e 1969);
10. Falecimento do escritor guatemalteco Miguel Ángel Asturias; nascido a 19 de Outubro de 1899, na cidade da Guatemala; concluídos os seus estudos secundários, ingressou no curso de Medicina, que trocou em 1917 pelo de Direito, na Universidade de San Carlos da Guatemala; ainda estudante tomou parte activa numa insurreição contra o ditador Manuel Estrada Cabrera, que havia complicado a vida a seus pais; em 1922, funda com outros estudantes a Universidade Popular, destinada a formar estudantes mais desfavorecidos, sendo ele próprio um dos docentes; forma-se em 1923 com a tese "El problema social del indio", após o que ruma à Europa com o intuito de prosseguir os estudos, matriculando-se na Sorbonne, onde concluirá o curso de Antropologia, em 1928; descobrindo as traduções francesas de manuscritos maias, desenvolve particular interesse por aquela cultura pré-colombiana, que o induz à tradução para o castelhano do livro sagrado "Popol Vuh", projecto iniciado em 1925 e a que se dedicará ao longo de quarenta anos; por essa altura, Miguel Ángel Asturias começa a colaborar como correspondente com vários órgãos da imprensa sul-americana, e nessa qualidade tem a oportunidade de viajar por toda a Europa, o Egipto e o Próximo Oriente; publica "Lendas da Guatemala" ("Leyendas de Guatemala", 1930), obra sobre os mitos e as lendas nativas, que lhe granjeia uma certa reputação literária, sobretudo depois da tradução francesa ter sido galardoada com o prémio Sylla Monségur; em 1933 regressa à Guatemala, onde trabalha como jornalista, mas não deixando de se dedicar à escrita: publica então o livro "Sonetos" (1936); a partir de 1945, ocupa o cargo de adido cultural, primeiro no México e depois na Argentina, Paris e San Salvador; na década de 50, um novo ocupante da cadeira da presidência da Guatemala retira-lhe a nacionalidade, circunstância que o força ao exílio, primeiro na Argentina e no Chile e depois na Europa; encontra-se em Génova quando publica o romance "Mulata de Tal" (1963), com o qual obtém uma acrescida reputação literária; em 1966, o novo presidente eleito da Guatemala, Julio César Méndez Montenegro, reabilita-o e nomeia-o embaixador em França; galardoado com o Prémio Nobel da Literatura em 1967 [>> YouTube], Miguel Ángel Asturias viria a falecer em Madrid, a 9 de Junho de 1974, sendo sepultado no cemitério de Père Lachaise, em Paris; a sua bibliografia inclui, entre outras e além das já citadas, as seguintes obras: "O Senhor Presidente" ("El Señor Presidente", 1946), romance que recria as perseguições do ditador Estrada Cabrera à sua família; "Homens de Milho" ("Hombres de Maíz", 1949), romance tido como a sua melhor obra, e que descreve a rebelião de um grupo de índios que, tentando defender a sacralidade de uma montanha, é dizimado pelo exército; e a chamada "Trilogia da Banana", composta pelos volumes "Viento Fuerte" (1950), "El Papa Verde" (1954) e "Los Ojos de los Enterrados" (1960), que relata os dissabores dos trabalhadores de uma plantação bananeira; influenciada pelo surrealismo de André Breton e incindindo sobre a realidade profunda da cultura guatemalteca, a produção romanesca de Miguel Ángel Asturias será precursora do chamado realismo mágico hispano-americano, que tem no colombiano Gabriel García Márquez um dos seus maiores expoentes;
11. Falecimento do dramaturgo e realizador francês Marcel Pagnol; nascido em 1895, em Aubagne, na Provença, Marcel Pagnol começa a sua vida profissional como professor de inglês em diversos estabelecimentos de ensino, tais como o Liceu Condorcet, em Paris; enquanto autor, notabiliza-se inicialmente como dramaturgo, assinando diversas peças cómico-satíricas que obtêm grande êxito no palco, posteriormente transpostas para cinema, primeiro por outros realizadores – Alexander Korda ("Marius", 1931) [>> YouTube], Marc Allégret ("Fanny", 1932) [>> YouTube] e Louis Gasnier ("Topaze", 1933) –, e depois por ele próprio; na sua filmografia constam, entre outros, os seguintes títulos: "Jofroi" (1933), "Angèle" (1934), "Merlusse" (1935) [>> YouTube], "Cigalon" [>> YouTube], "Topaze" (1936, com Arnaudy), "César" (1936) [>> YouTube], "Regain" (1937) [>> YouTube], "La Femme du Boulanger" (1938) [>> YouTube], "La Fille du Puisatier" (1940) [>> YouTube], "Naïs" (1945) [>> YouTube], "La Belle Meunière" (1948) [>> YouTube], "Topaze" (1951, com Fernandel) [>> YouTube], "Manon das Nascentes" ("Manon des Sources", 1953) [>> YouTube] e "Cartas do Meu Moinho" ("Les Lettres de Mon Moulin", 1954) [>> YouTube] [>> YouTube] [>> YouTube], este último a partir de três contos do livro de Alphonse Daudet;
12. Falecimento do actor e realizador italiano Vittorio de Sica; nascido a 7 de Julho de 1902, em Sora (Lázio), cresceu em Nápoles, começando a trabalhar desde cedo, como empregado de escritório, para ajudar ao sustento da família; tinha apenas 15 anos quando se estreou como actor de cinema em "Il Processo Clémenceau" (1917), um filme de aventuras de Alfredo de Antoni; em 1923, juntou-se a uma companhia de teatro onde fez imenso sucesso, após o que voltou ao cinema para participar no filme "La Bellezza del Mondo" (1926); nos anos seguintes, continuou a participar em muitos filmes, maioritariamente comédias ligeiras; em 1940, actuou e experimentou o outro lado da câmara ao co-realizar com Giuseppe Amato, o filme "Rosas de Sangue" ("Rose Scarlatte"), baseado na peça de Aldo de Benedetti; seguiram as comédias "Maddalena, Zero in Condotta" (1940) [>> YouTube] e "Uma Rapariga às Direitas" ("Teresa Venerdi", 1941) [>> YouTube], onde desempenhou o principal papel masculino, contracenando com Anna Magnani; em 1943, mudou para um registo mais sério ao realizar o drama "I Bambini ci Guardano" [>> YouTube], no qual revelou uma grande sensibilidade e profundidade no contacto com os actores, especialmente com as crianças; nos anos seguintes, realizou "A Porta do Céu" ("La Porta del Cielo", 1945) e o aclamado "Sciuscià" [>> YouTube], um drama que lhe valeu o Óscar de Melhor Filme Estrangeiro; em 1948, dirigiu um dos seus filmes mais conhecidos e um dos marcos do neo-realismo italiano: "Ladrões de Bicicletas" ("Ladri di Biciclette") [>> YouTube], a partir do romance de Luigi Bartolini, um drama passado no pós-guerra sobre um homem e o seu filho que procuram a bicicleta roubada, imprescindível para o seu trabalho; o filme seria amplamente distinguido, recebendo o Óscar de Melhor Filme Estrangeiro, o Globo de Ouro da mesma categoria, entre outros prémios; posteriormente realizou "Milagre de Milão" ("Miracolo a Milano", 1951) [>> YouTube], distinguido com o Grande Prémio do Júri no Festival de Cannes; "Umberto D" (1952) [>> YouTube], sobre a solidão e a velhice, aclamado internacionalmente, o drama "Estação Términus" ("Stazione Termini", 1953) [>> YouTube], sobre uma mulher americana casada (Jennifer Jones) que se envolve sentimentalmente com um homem (Montgomery Cliff) que conhece em Roma, e "O Ouro de Nápoles" (L'Oro di Napoli", 1954) [>> YouTube]; em 1957, Vittorio de Sica encarna o Major Alessandro Rinaldi, no filme "O Adeus às Armas" ("A Farewell to Arms", de Charles Vidor) [>> YouTube], adaptado do romance homónimo de Ernest Hemingway, que lhe vale a nomeação para o Óscar de Melhor Actor Secundário; das suas realizações posteriores são de destacar: "O Tecto" ("Il Tetto", 1956), que recebeu o Prémio da Crítica do Festival de Cannes; "Duas Mulheres" ("La Ciociara", 1960) [>> YouTube], baseado no romance de Alberto Moravia, passado durante a Segunda Guerra Mundial, e protagonizado por Jean-Paul Belmondo e por Sophia Loren, que vem a vencer o Óscar de Melhor Actriz [>> YouTube];  a comédia, em que também entrou como actor, "O Último Julgamento" ("Il Giudizio Universale", 1961) [>> YouTube]; o episódio "La Riffa" [>> YouTube], do filme colectivo "Boccacio'70" (1962); "Ontem, Hoje e Amanhã" ("Ieri, Oggi, Domani", 1963) [>> YouTube], uma comédia sobre três mulheres de distintas personalidades e as suas conquistas amorosas, com Sophia Loren e Marcello Mastroianni no topo do elenco, que venceria o Óscar de Melhor Filme Estrangeiro; "Casamento à Italiana" ("Matrimonio all'italiana", 1964) [>> YouTube]; "O Jardim Onde Vivemos" ("Il Giardino dei Finzi-Contini", 1970) [>> YouTube], uma adaptação do romance de Giorgio Bassani acerca do anti-semitismo numa Itália sob o regime fascista, com a qual Vittorio de Sica arrecadou o seu quarto Óscar de Melhor Filme Estrangeiro e o Urso de Ouro do Festival de Berlim; e o drama "Pausa Breve" ("Una Breve Vacanza", 1973) [parte 1 >> YouTube, parte 2 >> YouTube], sobre a vida infeliz de uma mulher que conhece o amor por breves instantes; o último filme que dirigiu foi o drama "A Viagem" ("Il Viaggio", 1974) [>> YouTube], com Richard Burton e Sophia Loren nos principais papéis;
13. Estreia do filme "Falamos de Rio de Onor", de António Campos; rodado entre Outubro de 1972 e Agosto de 1973, é um dos documentários mais importantes de António Campos, depois de "Almadraba Atuneira" (1961) e de "Vilarinho das Furnas" (1971); sinopse: a aldeia raiana de Rio de Onor, no extremo norte do concelho de Bragança, manteve até há pouco tempo, graças ao seu isolamento, velhos costumes comunitários nas práticas agrícolas e pastoris, que faziam dela um núcleo populacional inconfundível e de grande interesse etnológico/antropológico; alguns habitantes defendem que ainda subsiste algo desse modus vivendi, mas o pároco afirma que tudo isso pertence ao passado;
14. Estreia do filme "A Promessa", de António de Macedo; ante-estreado no Festival de Cinema de Santarém, em Novembro de 1972, o filme fez parte da selecção oficial do Festival de Cinema de Cannes, em Maio de 1973, mas devido a várias vicissitudes só teria estreia comercial no dia 21 de Janeiro de 1974, no cinema Condes; realizado por António de Macedo, a partir da peça homónima de Bernardo Santareno (pela primeira vez levada à cena em 1957), "A Promessa" é uma das obras mais significativas do cinema novo português; sinopse: numa aldeia de pescadores, Maria do Mar (Guida Maria) e José (João Mota), jovens prometidos, fazem, num momento de aflição, o voto de permanecerem castos (como a Virgem Maria e São José) se o pai do noivo, Salvador, cujo barco fora apanhado por uma tempestade, se salvar (o que vem acontecer, ainda que aleijado das pernas); entretanto, é oficializado o casamento e José empenha-se no cumprimento da promessa, tornando-se mesmo sacristão, mas Maria do Mar não se resigna à ideia de não ter um marido como as outras mulheres e de não poder ser mãe; Labareda (Sinde Filipe), um jovem e atraente contrabandista acolhido pelo casal, depois de ter sido alvejado, irá pôr à prova a castidade de Maria do Mar e, por arrastamento, a fé de José; ao contrário do que fizera Paulo Rocha no filme "Mudar de Vida" (1966) [>> YouTube], que também se desenrola numa típica povoação piscatória, António de Macedo não tenta fazer, em "A Promessa", o retrato de uma sociedade maioritariamente pobre e sem esperança de um futuro melhor na sua terra, mas explora o confronto de duas forças antagónicas: de um lado, a influência castradora e auto-repressiva que o catolicismo exerce sobre as pessoas mais simples e crédulas; do outro, a força imperativa da vida e do amor; todo o filme tem, por isso, uma espécie de aura esotérica que vai ao encontro dos interesses do próprio autor, que se diz anarco-místico; nesse contexto, se entendem o uso da cor, do nevoeiro, de planos em câmara lenta e de uma certa representação mais teatral ou, como diria o realizador, mais melodramática – porque o povo português é melodramático; também merecedora de destaque é a fotografia de Elso Roque, em consonância com o misticismo de António de Macedo, designadamente na poderosa cena da violação e na pictórica cena final [>> YouTube];
15. Estreia do filme "Sofia e a Educação Sexual", de Eduardo Geada; «Regressada de um colégio na Suíça, após a morte da mãe, Sofia (Luísa Nunes) instala-se numa "villa" que a família tem em Cascais. Descobre que seu pai, Henrique (Artur Semedo), dada a relação que tem com a amante Laura (Io Apolloni), leva uma vida social complexa, egoísta e hipócrita. Percebe então que não pode escapar a um destino que desconhecia.» (José de Matos-Cruz, in "O Cais do Olhar", Cinemateca Portuguesa, 1999); rodado em 1973, o primeiro filme de Eduardo Geada teria a primeira apresentação pública, a 30 de Julho de 1974, no Cinema Império, no âmbito do XI Ciclo da Casa da Imprensa, chegando ao circuito comercial a 1 de Outubro de 1974 (no cinema Estúdio 444, em Lisboa); era um dos filmes proibidos pela Censura marcelista, e não é difícil de adivinhar o motivo: a crítica à sociedade portuguesa, tendo como foco a alta burguesia, acrescida da ousadia de pôr a nu a hipocrisia e os preconceitos sexuais que a ditadura cultivava – desmascarando-os, despindo o corpo feminino e erotizando-o, dando a ver o que as roupagens cinzentas de anos e anos de repressão teimavam em esconder [>> YouTube] [>> YouTube];
16. Estreia do filme "Amarcord", de Federico Fellini; com argumento do próprio Fellini e de Tonino Guerra, o filme é simultaneamente uma comédia e um drama fantasista; "Amarcord" é um termo que em dialecto da região de Emilia-Romagna significa "recordo-me"; foi esse o mote programático que o realizador italiano usou: uma reinvenção das suas lembranças de adolescência tornadas retrato irónico e fantasista da Itália dos anos 30, onde é impossível destrinçar aquilo que Fellini viveu verdadeiramente daquilo que inventou, pois como ele próprio disse: «uma certa tendência para uma interpretação fantasiosa das coisas, uma certa visionação, creio que sempre tive»; passado na cidade adriática de Rimini, terra natal do realizador, alguns anos antes da eclosão da Segunda Guerra Mundial, o filme mostra a vida de Titta Biondi (Bruno Zanin), um jovem oprimido entre o ensino católico, a ordem fascista e o ambiente familiar; entre o sonho e a realidade, Titta vai vivendo momentos que se tornarão inesquecíveis: a passagem de um transatlântico, o rali das Mil Milhas, a morte da mãe, Miranda Biondi (Pupella Maggio), o despertar para a sexualidade, etc.; contando os episódios da vida de Titta, Fellini constrói um quadro social bizarro e carnavalesco (tema que se tornou, aliás, imagem de marca da sua obra), repleto de detalhes, centrado nas personagens excessivas e que roçam o caricatural, embora sempre detentoras de enorme densidade humana; organizado como um conjunto de episódios que desafia os cânones narrativos clássicos, cada plano é trabalhado como se fosse um quadro vivo – para o que muito contribui a fotografia de Giuseppe Rotunno [>> YouTube]; digna de registo é também a banda sonora de Nino Rota [>> YouTube], colaborador habitual de Fellini; nomeado para três Óscares, "Amarcord" arrecadou a estatueta de Melhor Filme Estrangeiro;
17. Edição do álbum "Coro dos Tribunais", de José Afonso; «Do seu conteúdo de imediato ressalta "aquela" linguagem "surrealista" de José Afonso, na linha de "Venham Mais Cinco" (1973), constituindo uma nítida demarcação do seu autor em relação ao "folclore" revolucionário reinante. Servindo poemas de Bertolt Brecht, adaptados por José Afonso na versão de Luiz Francisco Rebello, surgem "Coro dos Tribunais" [>> YouTube], "Coro dos Tribunais (Final)" [>> YouTube] e "Eu Marchava de Dia e de Noite (Canta o Comerciante") [>> YouTube]; os restantes temas, com letra e música de José Afonso, são "O Homem Voltou" [>> YouTube], "Ailé! Ailé!" [>> YouTube], "Não Seremos Pais Incógnitos" [>> YouTube], "O Que Faz Falta" [>> YouTube], "Lá no Xepangara" [>> YouTube], "Tenho um Primo Convexo" [>> YouTube], "Só Ouve o Brado da Terra" [>> YouTube] e "A Presença das Formigas" [>> YouTube]. Gravado em Londres, em Novembro de Dezembro de 1974, "Coro dos Tribunais" contou com a colaboração de Fausto (arranjos, direcção musical e guitarra acústica), do francês Michel Delaporte (percussões), de Adriano Correia de Oliveira (vozes e cordas), de Carlos Alberto Moniz (viola, vozes e cordas), de José Niza (vozes e cordas), de Vitorino (teclados, vozes e cordas) e do brasileiro Yório Gonçalves (2.ª viola).» (Mário Correia);
18. Edição do álbum "P'ró Que Der e Vier", de Fausto Bordalo Dias; «Gravado em Madrid, em Abril de 1974, e concluído em Lisboa, em Outubro do mesmo ano, "P'ró Que Der e Vier" foi produzido por Adriano Correia de Oliveira (Madrid) e José Niza (Lisboa), sendo Fausto o autor de todas as letras e músicas (bem como responsável pelos respectivos arranjos e direcção musical) à excepção de "Daqui Desta Lisboa" (poema de Alexandre O'Neill / música de António Pedro Braga e Fausto) [>> YouTube], "Carta de Paris" (poema de Daniel Filipe), "Não Canto Porque Sonho" (poema de Eugénio de Andrade / música de António Pedro Braga e Fausto) [>> YouTube], "P'ró Que Der e Vier" (letra e música de António Pedro Braga e Fausto) [>> YouTube], "Comboio Malandro" (poema de António Jacinto) [>> YouTube], "O Homem e a Burla" (letra e música de António Pedro Braga e Fausto) [>> YouTube] e "A Flóber" (poema de Mário-Henrique Leiria / música de António Pedro Braga e Fausto). Os restantes temas são "É Tão Difícil" [>> YouTube], "Venha Cá Senhor Burguês" [>> YouTube], "Marcolino" [>> YouTube] e "O Patrão e Nós" [>> YouTube]. Em "P'ró Que Der e Vier", Fausto assume de forma evidente aquelas que serão as coordenadas básicas da sua música: a influência de circunstância anti-demagógica mas directa e contundente; e a simbiose de influências múltiplas. De referir ainda as colaborações de Adriano Correia de Oliveira, José Afonso, Vitorino, António Portanet e Júlio Pereira, entre outros.» (Mário Correia).

Todos (ou quase todos) estes itens podiam ser devidamente ilustrados, ora com registos do arquivo da RDP (entrevistas, adaptações de peças de teatro e de obras romanescas, recitações de poemas, etc.) ora, no caso de repertório musical, com gravações discográficas.
Não cabia tudo em 50 minutos? Problema nada difícil de resolver: em vez de uma única edição (lacunar, espartilhada e cinzenta), façam duas – mais completas, desafogadas e variegadas.
Renova-se o pedido: deseja-se que "A Vida dos Sons" seja menos cinzenta e mais multicolor. Pedido que fica formulado, obviamente, para a eventualidade do programa regressar com uma série posterior a 1974.
 

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