29 fevereiro 2012

Um testemunho sobre António Luís Marinho

Por Miguel Sousa Tavares (jornalista e escritor)



«A minha consciência obriga-me a tornar público um episódio que sempre mantive privado, porque não me ocorreu fazer diferente. Em 2004, Santana Lopes era primeiro-ministro e eu mantinha, há uns anos, uma crónica de opinião semanal na Antena 1, cujo director se chamava Luís Marinho. Desde a tomada de posse que fui crítico contundente do Governo Santana Lopes, até que um dia o Luís Marinho me chamou e começou com uma conversa circular acabando por confessar que achava que a minha crónica devia ser substituída por um outro tipo de intervenção qualquer, talvez enquadrada com outros, e na qual ele iria meditar. Disse-lhe que não valia a pena quebrar a cabeça a pensar na alternativa: eu conhecia as regras do jogo. E ali mesmo me despedi, sem mais nem um tostão, deixando-o, ao que me pareceu, visivelmente aliviado. Hoje, depois de ter lido o depoimento do ex-subdirector da Antena 1, Ricardo Alexandre, não tenho dúvidas de que Luís Marinho continua fiel ao seu roteiro, tendo assim servido o Governo Santana Lopes, o Governo Sócrates e agora o Governo Passos Coelho/Relvas — e sempre a subir. Acontece, porém, que Pedro Rosa Mendes é um grande jornalista e um grande escritor: o país deve-lhe. Quanto a Luís Marinho, sinceramente, não me recordo de qualquer coisa que o jornalismo lhe deva: um texto, uma reportagem, uma entrevista. É o meu testemunho, que ninguém me pediu: apenas para que conste.» (Miguel Sousa Tavares, in "
Expresso", 25.02.2012)



António Luís Marinho: actualmente
director-geral de conteúdos da Rádio e Televisão de Portugal

Nota: Em complemento a este texto, recomenda-se a leitura de um artigo publicado no "Diário de Notícias", de 25.01.2012, e transcrito no site
http://www.asor.pt/

23 fevereiro 2012

José Afonso: "Fui à Beira do Mar"



No dia em que se assinalam os 25 anos do desaparecimento de José Afonso, o blogue "A Nossa Rádio" rende-lhe uma singela homenagem destacando um dos mais belos e, incompreensivelmente, menos divulgados espécimes do seu vasto legado poético-musical, "Fui à Beira do Mar". Um tema em que está bem expresso o empenho cívico e artístico de um homem que nunca calou a sua voz, apesar das imensas adversidades que enfrentou, tendo sempre em mira a «capital da alegria: cidade do homem, não do lobo mas irmão.» Uma mensagem de grande actualidade...



Fui à Beira do Mar



Letra e música: José Afonso
Intérprete: José Afonso* (in LP "Eu Vou Ser Como a Toupeira", Orfeu, 1972, reed. Movieplay, 1987, 1996)




[instrumental]

Fui à beira do mar
Ver o que lá havia;
Ouvi uma voz cantar
Que ao longe me dizia:

"Ó cantador alegre,
Que é da tua alegria?
Tens tanto para andar
E a noite está tão fria!"

[instrumental]

Desde então a lavrar
No meu peito a Alegria;
Ouço alguém a bradar:
"Aproveita que é dia!"

Sentei-me a descansar
Enquanto amanhecia;
Entre o céu e o mar
Uma proa rompia.

[instrumental]

Desde então a bater
No meu peito, em segredo,
Sinto uma voz dizer:
"Teima, teima sem medo!"

Desde então a lavrar
No meu peito a Alegria;
Ouço alguém a bradar:
"Aproveita que é dia!"

[instrumental]


* Trabalho de grupo de: Benedicto, Carlos Alberto Moniz, Carlos Medrano, Carlos Villa, Ernesto Duarte, José Afonso, José Dominguez, José Jorge Letria, José Niza, Maite, Maria do Amparo, Pedro Vicedo, Pepe Ébano e Teresa Silva Carvalho
Produção – José Niza
Gravado nos Estúdios Celada, Madrid, de 6 a 13 de Novembro de 1972
Captação de som – Paco Molina, António Olariaga, Pepe Fernandez, Juan Carlos Ramirez e Juan António Molina
Mistura – Paco Molina
Texto sobre o disco em: Grandes discos da música portuguesa: efemérides em 2007
Biografia e discografia em: A Nossa Rádio
URL: http://www.aja.pt/
http://vejambem.blogspot.com/
http://myspace.com/associacaojoseafonso
http://www.youtube.com/associacaojoseafonso
http://pt.wikipedia.org/wiki/Jos%C3%A9_Afonso
http://www.infopedia.pt/$jose-afonso
http://www.revues-plurielles.org/_uploads/pdf/17_16_5.pdf
http://www.arlindo-correia.com/080401.html
http://www.portaldofado.net/content/view/266/280/
http://fado.com/index.php?option=com_content&task=view&id=72&Itemid=67
http://lisboanoguiness.blogs.sapo.pt/162335.html
http://delta02.blog.simplesnet.pt/
http://zecafonso.com.sapo.pt/Jose%20Afonso.html
http://www.infoalternativa.org/radio/radio/jose-afonso_cantigas-do-maio/index.php?autoplay=1
http://myspace.com/joseafonso
http://palcoprincipal.sapo.pt/bandasMain/jose_afonso
http://cotonete.iol.pt/artistas/home.aspx?id=1350
http://www.last.fm/pt/music/Jos%C3%A9+Afonso

22 fevereiro 2012

Igrejas Caeiro: "Perfil de um Artista''



Com um percurso profissional repartido entre o cinema [participou, entre outros, nos filmes "Amor de Perdição" (1943), de António Lopes Ribeiro; "Camões" (1946), de José Leitão de Barros; "O Trigo e o Joio" (1965), de Manuel Guimarães], o teatro (contracenou em várias peças com Eunice Muñoz e Ruy de Carvalho) e a rádio, foi efectivamente na rádio que Francisco Igrejas Caeiro mais se notabilizou, apesar da perseguição de que foi vítima pelo regime salazarista, mesmo depois de ter sido expulso da Emissora Nacional (1948), só porque o seu nome constava nas listas do M.U.D. (Movimento de Unidade Democrática). O folhetim humorístico "A Lelé e o Zéquinha" (de 1947 a 1948, com Vasco Santana e Irene Velez, sua mulher, na Emissora Nacional), o programa itinerante de variedades "Companheiros da Alegria" (de 1951 a 1954, para o Rádio Clube Português), e, sobretudo, a impressionante série de entrevistas "Perfil dum Artista" (de 1954 a 1960, para o Rádio Clube Português), que contemplou 258 personalidades das artes e das letras portuguesas e estrangeiras (num total de 300 edições), garantem-lhe um lugar de destaque nos anais da rádio portuguesa. Pode mesmo dizer-se, em exagero, que o principal legado de Igrejas Caeiro para a posteridade é o conjunto de registos de "Perfil dum Artista", acervo de inestimável valor histórico e documental. É muito provável até que para algumas figuras da cultura portuguesa do século XX o único registo de voz que exista é o desses fonogramas. Aquilino Ribeiro, José Rodrigues Miguéis, António Sérgio, Jaime Cortesão, Alfredo Guisado, Fernanda de Castro, Alves Redol, Manuel da Fonseca, Manuel Mendes, Natália Correia, Júlio Pomar, José Leitão de Barros, João Villaret, Vasco Santana, António Silva, Eugénio Salvador, Maria Lalande, Pedro de Freitas Branco e Fernando Lopes-Graça são alguns dos nomes que integram a extensa galeria de "Perfil dum Artista".
Os registos (desconheço se todos – é bem possível que alguns tenham sido entretanto destruídos) estão soterrados e esquecidos sob o pó, no arquivo histórico da RDP. Ora o melhor tributo que a rádio pública pode prestar à memória de Igrejas Caeiro (e, bem assim, à dos seus eméritos entrevistados) é a transmissão de todas essas entrevistas, as quais muitas pessoas, salvo algumas de mais veterana idade, nunca ouviram. Isto, se exceptuarmos as três ou quatro que Luís Caetano – honra lhe seja feita – resgatou às teias de aranha para presentear ao auditório d' "A Força das Coisas". Fica formalizada a proposta, na esperança de que não seja arrogantemente ignorada, como tem sido timbre da actual direcção de programas da RDP, deixando transparecer a ideia de que a satisfação umbilical do sr. Rui Pêgo é muito mais importante que a prestação de serviço público.

Pelo inegável valor documental que também tem, e por amável deferência da Sr.ª Luísa Barragon, aqui se deixa o registo de uma entrevista que o próprio Igrejas Caeiro concedeu a Carlos Pinto Coelho, em 1998, para o programa de rádio "Agora... Acontece!".


"Agora... Acontece!" N.º 007, de 16-Nov-1998



Igrejas Caeiro entrevistado por Carlos Pinto Coelho [a partir do minuto 20]

15 fevereiro 2012

"As Idades do Mundo": uma viagem pela História da Arte


Francisco de Holanda, "O primeiro dia da criação do mundo: O caos e a criação da luz", in De Aetatibus Mundi Imagines, 1545-1547, Biblioteca Nacional de Espanha, Madrid

«Tomando como ponto de partida a obra-prima do pintor português Francisco de Holanda De Aetatibus Mundi Imagines, ou Imagens das Idades do Mundo, realizada no triénio 1545-1547, onde, numa linguagem totalmente inovadora e através de mais de centena e meia de ilustrações, se narra a história do mundo a partir do primeiro dia da Criação, concebemos uma série de doze programas que toma como denominação parte daquele título.
As características cíclicas da história da Humanidade, aliadas à permanente influência e contaminação de vários tipos de linguagens e de imagéticas, proporcionaram o eterno retorno às concepções do passado, nem que fosse apenas para as renegar, sendo os mesmos temas, por diversas vezes e ao longo dos tempos, retomados e apreendidos de diferentes formas pelos seus autores.
Tal como afirma o filósofo francês Gilles Deleuze ao caracterizar a cultura universal como "a civilização da imagem", o tema principal destas emissões será o da sua força e a poderosa capacidade de arrebatamento, deleite ou, simplesmente, horror.
Privilegiando a música e a palavra que lhe está associada, abordaremos, ao longo dos próximos domingos, personalidades ímpares do génio artístico universal, as quais contribuíram, de forma indelével, para a renovação da imagem do mundo em diferentes momentos da História.» (Ana Mântua e João Chambers, in boletim de programação da Antena 2, Jan. 2012)


Saúda-se o surgimento na Antena 2 de mais uma série da autoria de Ana Mântua e João Chambers, que tão boa impressão e proveito já me haviam dado com "Divina Proporção" e "A Herança de Atena". Tendo a direcção de Rui Pêgo e João Almeida eliminado da grelha praticamente todos os conteúdos culturais não musicais em que João Pereira Bastos vinha apostando (hoje não há uma rubrica de poesia, não há teatro radiofónico, não há um programa de História, não há um programa de Sociologia/Antropologia, etc., etc.) tudo o que apareça nas vertentes culturais e artísticas fora do estrito domínio da música é de louvar.
O que não se compreende é que um programa que tem uma forte componente de palavra, como "As Idades do Mundo", tenha uma única passagem (domingos, 10:00-11:00). Será que a dupla Rui Pêgo / João Almeida ainda não percebeu que os programas de autor, particularmente os não (estritamente) musicais, devem passar, no mínimo, duas vezes, de preferência em quadrantes horários diferentes, de modo a chegaram ao máximo número de ouvintes possível? Nem todas as pessoas têm a mesma disponibilidade para ouvir rádio numa determinada altura e as que, por qualquer razão, não podem (ou não lhes dá jeito) sintonizar a Antena 2 naquele dia/hora ficam sem alternativa. Refiro-me, obviamente, a uma alternativa hertziana porque se é certo que há um arquivo on-line, não deixa de ser também verdade que um sector nada desprezível do auditório tradicional da Antena 2 não tem internet, ou mesmo que a tenha, prefere o modo de audição via éter. Nesta conformidade, passar programas em que houve um investimento acrescido (como são os realizados por colaboradores externos à estação) uma única vez, significa, em boa medida, atirar o dinheiro dos contribuintes ao ar...

As Idades do Mundo
Antena 2, domingos, às 10:00
Texto: Ana Mântua
Selecção musical: João Chambers


Episódios transmitidos:
Ep. 1 – 8 Janeiro [>> RTP-Play]
"As Idades do Mundo" em Francisco de Holanda (1517-1585): as visões inovadoras da Criação deste eminente teórico e pintor do Renascimento português, ilustradas através de obras de Damião de Góis, Alessandro Striggio, Frei Manuel Cardoso, Diogo Dias Melgás, Felice Anerio, Duarte Lobo, Manuel Rodrigues Coelho, Giovanni Pierluigi da Palestrina, António Carreira e Filipe de Magalhães, todos contemporâneos no Portugal e na Península Itálica do século XVI.

Ep. 2 – 15 Janeiro [>> RTP-Play]
As "Imagens do Mundo" e da Humanidade através das visões de Jheronimus Bosch (?-1516) e da música de Joachimus de Monte, Cristianus Hollander, Jean Richafort, Nicolas Gombert e de autores anónimos, extraída dos "Livros de Coro do Colégio das Sete Horas Litúrgicas" da Igreja de São Pedro, na cidade de Leiden, nos Países Baixos, sobrevivente da fúria iconoclasta e destruidora, dos dias 25 e 26 de Agosto de 1566, que discordava da existência, não particularmente devota, de alguns membros da ordem religiosa local.

Ep. 3 – 22 Janeiro [>> RTP-Play]
"Museus de papel" – a génese de uma História da Arte e das Ciências através das imagens: as recolhas de antiguidades, o nascimento do discurso histórico durante os séculos XVII e XVIII e o repertório de Orazio Benevolo, Claudio Monteverdi, Tarquinio Merula, Giacomo Carissimi, Benedetto Ferrari, Johann Sebastian Bach, Pietro Paolo Bencini, Virgilio Mazzocchi, Marc-Antoine Charpentier, Michel-Richard Delalande, Jacques André François d’Agincour e de um autor anónimo.

Ep. 4 – 29 Janeiro [>> RTP-Play]
Os movimentos pós-impressionistas e o caminho da modernidade: o simbolismo, uma nova apreensão da realidade visível e a música de Maurice Ravel, Claude Debussy, Gabriel Fauré, Camille Saint-Saëns, Hector Berlioz, Gustav Mahler e Jean Delibes.

Ep. 5 – 5 Fevereiro [>> RTP-Play]
A nova orientação de gosto implementada pelos pintores italianos que laboraram em Portugal durante o reinado de D. João V, "O Magnânimo".

Ep. 6 – 12 Fevereiro [>> RTP-Play]
Do traçado no solo ao projecto: a evolução do desenho de arquitectura durante a Idade Média.

Ep. 7 – 19 Fevereiro [>> RTP-Play]
"Grão Vasco", o pintor-herói. A imagem e a obra, ambígua e plural, de Vasco Fernandes e a sua projecção no tempo.

Ep. 8 – 26 Fevereiro [>> RTP-Play]
Jacob Jordaens, um pintor dividido entre o catolicismo e o protestantismo na Antuérpia do século XVII.

Ep. 9 – 4 Março [>> RTP-Play]
A Pintura Naturalista Portuguesa: o reflexo de uma cultura e de uma identidade nacional.

Ep. 10 – 11 Março [>> RTP-Play]
Natureza-morta: a imitação da Natureza e os seus significados.

Ep. 11 – 18 Março [>> RTP-Play]
Clássico e Romântico: relação dialéctica ou antítese entre conceitos?

Ep. 12 – 25 Março [>> RTP-Play]
Vincenzo Foppa e a Capela Portinari: a obra mecenática de um banqueiro de Milão na segunda metade do século XV.

[Actualizado em 27-Mar-2012]



Jheronimus Bosch, "As Tentações de Santo Antão": painel esquerdo, 1505-1506, óleo sobre madeira, 131,5x53 cm, Museu Nacional de Arte Antiga, Lisboa



Jheronimus Bosch, "As Tentações de Santo Antão": painel central, 1505-1506, óleo sobre madeira, 131,5x119 cm, Museu Nacional de Arte Antiga, Lisboa



Jheronimus Bosch, "As Tentações de Santo Antão": painel central (pormenor), 1505-1506, óleo sobre madeira, Museu Nacional de Arte Antiga, Lisboa



Jheronimus Bosch, "As Tentações de Santo Antão": painel central (pormenor), 1505-1506, óleo sobre madeira, Museu Nacional de Arte Antiga, Lisboa



Jheronimus Bosch, "As Tentações de Santo Antão": painel central (pormenor), 1505-1506, óleo sobre madeira, Museu Nacional de Arte Antiga, Lisboa



Jheronimus Bosch, "As Tentações de Santo Antão": painel central (pormenor), 1505-1506, óleo sobre madeira, Museu Nacional de Arte Antiga, Lisboa



Jheronimus Bosch, "As Tentações de Santo Antão": painel central (pormenor), 1505-1506, óleo sobre madeira, Museu Nacional de Arte Antiga, Lisboa



Jheronimus Bosch, "As Tentações de Santo Antão": painel central (pormenor), 1505-1506, óleo sobre madeira, Museu Nacional de Arte Antiga, Lisboa



Jheronimus Bosch, "As Tentações de Santo Antão": painel direito, 1505-1506, óleo sobre madeira, 131,5x53 cm, Museu Nacional de Arte Antiga, Lisboa