28 janeiro 2011

"Lugar ao Sul" regressa à Antena 1



«Se ele quisesse, se ele deixasse, a sua vida dava um filme. Mas hoje não é ainda o momento de contar a sua incrível história. Quero apenas reflectir como Provedor, a intensa admiração que os Ouvintes sentem por este devotado Homem da Rádio e, sobretudo, pelos exemplos que resultam dessa sua devoção.
Repito, por isso, o que já disse: "Lugar ao Sul", de Rafael Correia, é um Sinal de Excelência do Serviço Público de Radiodifusão.» (José Nuno Martins, Novembro de 2006)

«Há muitos anos, no jornal onde trabalhava ["Público"], escrevi um texto defendendo a obrigação da RTP de não apenas preservar a riqueza patrimonial de excepção representada pelos programas de Rafael Correia mas de a restituir aos portugueses, editando os programas numa colecção, como faz com os vídeos. A Radio France já organizou um disco com 39 faixas musicais, em 1999. Com o apoio da Antena 1 e presumo que de Rafael Correia. Mas não bastam os registos musicais. São precisas as quadras populares, as receitas, as conversas, o som ambiente.
Retomo este repto, agora como provedor e agora que "Lugar ao Sul" ameaça não voltar. Acho um crime de lesa-cultura se os programas forem deixados esquecidos e inúteis em pequenas cassetes DAT do arquivo histórico...» (Adelino Gomes, Julho de 2009)


Depois da saída de António Cardoso Pinto da direcção de programas da Antena 1, em 2003, o "Lugar ao Sul" foi sendo alvo de sucessivos ataques, desde a colocação em horários indignos a cortes no tempo de emissão. Por razões ainda não devidamente esclarecidas, Rafael Correia deixou de realizar o programa após o dia 1 de Agosto de 2009. Desde então, os ouvintes não mais deixaram de manifestar o desejo de que o "Lugar ao Sul" regressasse. Não havendo disponibilidade de Rafael Correia para voltar a colaborar com a rádio pública (fartou-se, muito possivelmente, de ser desconsiderado e maltratado), já seria muito bom que se repusessem em antena as edições menos recentes. O novo Provedor do Ouvinte, Prof. Mário Figueiredo, a exemplo dos seus antecessores, continuou a fazer-se eco dessa vontade dos ouvintes, o que faço questão de louvar. E o "Lugar ao Sul" começou finalmente, no sábado passado, a ser resgatado das teias de aranha do arquivo sonoro da RDP. O resgate, por si só, é motivo de regozijo para todas as pessoas que já sentiam saudades daqueles saborosos momentos de rádio com «as nossas coisas, as nossas gentes e o melhor da música de Portugal». No entanto, há três pontos a respeito dos quais os ouvintes querem manifestar a sua insatisfação.
O primeiro diz respeito à supressão da música de disco que Rafael Correia passava antes e depois das recolhas de campo. Aquela música não era ali colocada para "encher chouriços", já que estava tematicamente relacionada com o teor das conversas. Era parte integrante, portanto, do conceito do programa e não é aceitável que tenha sido suprimida. Além disso, e dada a marginalização de que a música tradicional tem sido objecto na Antena 1, aquelas secções de música tradicional/popular gravada funcionavam como uma das escassíssimas janelas para muito repertório de qualidade que nunca (ou muito raramente) vê a luz do éter nacional.
O segundo motivo de descontentamento é o horário em que o programa foi colocado: 07:00 da madrugada de sábado. Que Rui Pêgo nunca morreu de amores pelo "Lugar ao Sul" já todos sabíamos. Não tem é o direito de o sonegar aos muitos (potenciais) ouvintes para os quais aquele horário é de todo impraticável. O sr. Rui Pêgo devia saber que a audiência do programa não se restringe a padeiros e a transportadores de hortaliças para o Mercado da Ribeira (com o devido respeito por todas as pessoas que exercem essas actividades). Com efeito, o grosso dos ouvintes do programa é constituído por pessoas que entre as 7:00 e as 8:00 estão a dormir, recuperando de uma extenuante semana de trabalho. Calculo que o sr. Rui Pego, interpelado com esta questão, vá argumentar qualquer coisa do género: «Os ouvintes que não querem acordar à 07:00 de sábado tem sempre a alternativa do
streaming ou do podcast». Infelizmente, para uma parte significativa dos rádio-ouvintes (por via hertziana), a internet não é uma alternativa, seja porque a não têm, seja porque não têm disponibilidade de tempo para estarem agarrados a um computador durante todo o tempo de emissão, seja porque não têm (ou não sabem lidar com) um leitor de MP3. Por conseguinte, os ouvintes nessas condições (e não só) prometem não se calar enquanto ao "Lugar ao Sul" não for dado um horário digno e razoável na grelha da Antena 1. O horário anterior (depois das 09:00) era perfeitamente aceitável.
Por último, a questão da acessibilidade ao acervo do programa. Sem prejuízo da edição de CDs coleccionáveis (como sugeriu Adelino Gomes) não se compreende que o histórico, na sua totalidade, não esteja disponível numa página on-line. Já o disse antes, e volto a afirmá-lo: há que aproveitar a internet como plataforma de acesso aos acervos áudio de cariz cultural e histórico que estão à guarda de entidades estatais por todos quantos neles estiverem interessados. Afinal de contas, a produção, o arquivamento e a conservação de tais acervos fonográficos foi (é) feita com dinheiros públicos e, como tal, não se pode negar aos cidadãos a oportunidade de os fruir.


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2 comentários:

Unknown disse...

Voltei hoje a reler o comentário do senhor Álvaro José Ferreira e continuo a pensar e a lamentar profundamente como um programa com a qualidade de "P Lugar ao Sul" foi banido da nossa Rádio.
Sou arquitecto e entre 1955 e 1961, colaborei na obra "A Arquitectura Popular em Portugal", hoje com 4 edições publicadas.
A minha zona, designada zona 1, abrangia o Minho e Douro Litoral, orientada pelo professor Fernando Távora e tendo como colega das aventuras de campo , o arqtº Rui Pimental...ambos já falecidos; dos 18 intervenientes de então....restamos 4.
Graças a Rafael Correia que um dia visitei na EN, em Faro, fiquei a saber o caminho para o moínho das Pernadas, na ribeira de Odeleite e aí conheci o seu moleiro, senhor Luís Gomes, homem sábio no seu universo de moleiro, pescador do rio, carpinteiro para as reparações do seu moínho, enfim um feliz ser humano.
Dois anos atrás lá voltei....uma tristeza pelo que vi. É incrível como se interpreta a defesa do património construído.....Não só por isso, mas também, era salutar as gerações actuais conhecerem o contributo inestimável que Rafael Correia construiu. Bem haja, esteja onde estiver. António Menéres

Unknown disse...

Gostaria de contactar o autor do blogue.
Parar é morrer.
António Menéres