16 setembro 2010

Em memória de Francisco Ribeiro (1965-2010)



«Francisco Ribeiro era um músico discreto em palco. Apesar do balanço que conseguiu imprimir ao violoncelo, que estudou e que o acompanhou por toda a carreira, agora confirmada como demasiado curta, e que chegou para abrir com força e convicção o primeiro êxito dos Madredeus – "A Vaca de Fogo" –, era esse mesmo violoncelo que o obrigava à quietude, embora se percebesse que vibrava por inteiro com a música. O contraponto surgia quando soltava o vozeirão: a primeira vez que o vi e ouvi cantar foi curiosamente num concerto da Sétima Legião, em que foi convidado ao lado da sua parceira de projecto e amiga Teresa Salgueiro. Cantaram "Ascensão" [in "De um Tempo Ausente", 1989] e, sem margem de erro para a memória distante, foi isso mesmo que provocaram no público presente, maravilhado com aquele contraste vocal. Conheci-o em 1987 quando se viveram os primeiros dias da Madredeus, grupo de cinco que se propunha resgatar alguma simplicidade e alguma solenidade à música portuguesa. O trilho foi suado mas o caminho acabou por tornar-se realidade: um sonho feito verdade. Um teclado, um acordeão, uma guitarra clássica, um violoncelo e uma voz acabaram por mostrar como a portugalidade se fazia reconhecer, até lá fora, quando soava autêntica, genuína e feliz. Os discos foram-se sucedendo: "Existir" [1990], "Lisboa" [1992], "O Espírito da Paz" [1994] e "Ainda" [1995] valeram ao músico discreto aquilo que ele mais tarde denominou o seu período de "rock'n'roll e muita euforia". Os Madredeus começaram a mudar: primeiro, saiu Rodrigo Leão e entraram Carlos Maria Trindade e José Peixoto; depois, naquele que foi considerado o annus horribilis do grupo – 1996 – partiram o acordeonista Gabriel Gomes e o próprio violoncelista Francisco Ribeiro. Após um período de incerteza, soube-se que se tinha afastado das actividades públicas para relançar e concluir em Inglaterra os seus estudos académicos. Com algumas colaborações pelo meio, voltou a Portugal em 2006 para em Dezembro do ano passado lançar um meritório projecto pessoal que infelizmente passou despercebido. Chamou-se "Desiderata: A Junção do Bem" e contou com as colaborações da Orquestra Nacional do Porto, das cantoras Filipa Pais, Natália Casanova e Tanya Tagaq, do fadista José Perdigão e ainda do seu antigo companheiro José Peixoto. Inspirado num poema do americano Max Ehrmann, destacava os seus primeiros versos: "Vai placidamente no meio do barulho e da confusão, lembrando-te de quanta paz existe no silêncio.". Sinceramente, não descubro melhor forma de me despedir do Francisco que morreu ontem levado por um cancro no fígado. Talvez agora possa ser ouvido o seu disco, vibrante e discreto como quem o fez.» (João Gobern, in "Pano para Mangas" - "A paz do silêncio", 15.09.2010)


Em complemento às palavras de João Gobern, é pertinente referir um trabalho onde a mão de Francisco Ribeiro foi marcante: o álbum "Ave Mundi Luminar" (1993), de Rodrigo Leão & Vox Ensemble. Além de assinar quatro músicas em parceria com Rodrigo Leão, Francisco Ribeiro foi o responsável pelos arranjos e dirigiu o agrupamento de câmara Vox Ensemble, que ele próprio também integrou (violoncelo e voz). O disco obteve um retumbante sucesso internacional e não será exagero afirmar-se que muito o deveu a Francisco Ribeiro.
O seu único álbum em nome próprio, "Desiderata: A Junção do Bem", editado em Dezembro de 2009, segue e aprofunda o conceito estético de "Ave Mundi Luminar" e nessa medida poderá até considerar-se o segundo capítulo desse trabalho. Teve foi sorte diferente junto do público e para tal muito contribuiu a parca divulgação que teve nos media audiovisuais. Na rádio pública, foi completamente ignorado: não foi Disco Antena 1 (ao invés do que seria razoável e lógico que acontecesse), nunca figurou na 'playlist' assim como não mereceu a mais pequena atenção em programas musicais de autor, como "Vozes da Lusofonia" e "Alma Lusa" (edição alargada). É verdade que não estamos em presença de música de consumo imediato e de fácil agrado para públicos de sensibilidade embotada, mas jamais o critério da facilidade ou do imediatismo devia nortear uma estação cuja missão é prestar serviço público. Porque a razão da existência da rádio pública é justamente a de dar voz aos artistas de qualidade que as rádios privadas enjeitam, devido à contingência de dependerem da publicidade, o mesmo é dizer dos anunciantes que querem grandes audiências.
Mas se o disco de Francisco Ribeiro e outros de real valia foram/são criminosamente desprezados pela estação onde deviam ter tratamento preferencial (deixo isto à consideração de quem de direito), não o foram/são por um homem chamado Luís Rei, no programa "Terra Pura". De facto, uma das edições, em
Janeiro de 2010, foi integralmente dedicada ao CD "Desiderata: A Junção do Bem" e nela Francisco Ribeiro teve a oportunidade de expor as ideias que estiveram na sua concepção, possibilitando aos ouvintes uma percepção mas esclarecida e fundamentada do seu pensamento artístico. Isto, sim, é verdadeiro serviço público! Nessa conformidade, o programa merecia uma amplitude de audiência muito maior do que a que consegue alcançar com as três rádios locais que o transmitem: Rádio Zero (Lisboa), Rádio Universitária do Minho (Braga) e Rádio Miróbriga (Santiago do Cacém). Tal como fiz a respeito do "Agora...Acontece!", daqui lanço um repto aos directores das rádios locais e regionais deste país: não vos parece que a grelha da vossa estação ficaria substancialmente enriquecida se incluísse o programa "Terra Pura"? Então, vá! Dêem às populações que servem a oportunidade de ouvirem um programa de inegável interesse musical e cultural. Desse modo também darão ao Luís Rei um incentivo acrescido para continuar o seu abnegado labor de divulgação das "novas e antigas raízes da música tradicional".
Para ouvir/descarregar a edição do "Terra Pura" com a entrevista de Francisco Ribeiro, é favor aceder à
página respectiva.
Alguns temas do disco também podem ser ouvidos no MySpace:
http://www.myspace.com/desiderataajuncaodobem

10 setembro 2010

Concertos Antena 1



Finda a temporada de Verão dos concertos Antena 1, com realização e apresentação de Ana Sofia Carvalhêda, há que fazer um balanço. Começo por dizer que a qualidade genérica dos concertos não decepcionou, se exceptuarmos três ou quatro casos muito abaixo da média. O meu reparo prende-se com outras duas questões que considero muito importantes e não deviam ser descuradas numa estação de rádio nacional e generalista:

1. Linguagens musicais contempladas.
O fado de Lisboa foi o género largamente privilegiado e quase não se ouviu música tradicional/folk. Só a Ronda dos Quatro Caminhos e Júlio Pereira marcaram presença ao longo de um mês de concertos. É muito pouco. E não foi certamente por falta de intérpretes dentro dessa vertente musical e de concertos que tal aconteceu. Talvez na cidade de Lisboa não ocorram, por razões algo misteriosas (quiçá por falta de sensibilidade dos programadores), muitos concertos de música tradicional/folk mas na chamada região metropolitana – designadamente em Sintra (Centro Cultural Olga Cadaval) e Almada (Fórum Romeu Correia e Auditório Fernando Lopes-Graça) – a situação é diferente. O mesmo direi relativamente ao resto do país, designadamente no Porto e em Coimbra. E aqui passo ao ponto seguinte.

2. Área geográfica de gravação dos concertos.

Praticamente todos os concertos transmitidos pela Antena 1 foram gravados em salas ou recintos de Lisboa – CCB, Palácio de Belém, Praça de Armas do Castelo de São Jorge, Teatro Municipal de São Luiz, Cinema São Jorge. Que me lembre, apenas um concerto – o do fadista Duarte – foi gravado fora, em Évora, mais concretamente no Teatro Garcia de Resende. Não é aceitável que, tendo o país uma boa rede de cine-teatros e auditórios, de norte a sul, onde decorrem espectáculos musicais de excelente qualidade e em condições acústicas em tudo idênticas (nalguns casos, superiores) às das salas/recintos lisboetas citados, a rádio pública ignore esse facto. A Antena 1 é uma estação nacional e não uma rádio local de Lisboa, de acordo com o respectivo estatuto aprovado pelos órgãos de soberania da República. Nessa conformidade, tem a obrigação de tomar em consideração a realidade cultural, no caso a musical, do todo nacional, incluindo obviamente as Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira.