16 julho 2010

Antena 2: zero euros para a aquisição de novos discos



Há cerca de ano e meio, em mensagem dirigida à Provedoria do Ouvinte, o musicólogo e professor universitário Mário Vieira de Carvalho chamava a atenção para o facto de importantes concertos e recitais de música clássica/erudita ocorridos em Portugal não serem gravados pela Antena 2, ficando assim o arquivo sonoro sem registos desses eventos para usufruto dos ouvintes (os actuais e os vindouros). A este problema, há agora que acrescentar outro, não menos grave: a dotação orçamental de zero euros consignada à Antena 2 para a aquisição de novos discos.
Quer dizer: os mandantes da Rádio e Televisão de Portugal decidiram que não são necessárias mais edições discográficas de música erudita? Se assim o entendem é porque não percebem patavina do assunto, nem se dignaram consultar quem os pudesse esclarecer. A triste realidade é que a discoteca da RDP tem ainda muitas lacunas, sobretudo no domínio da música antiga. Se me disserem que não faz sentido comprar a enésima gravação das "Quatro Estações" (de Vivaldi) ou da "Quinta Sinfonia" (de Beethoven), que algum chinês ou japonês decidiu fazer, eu aceito de bom grado esse argumento. Mas importa ter em atenção que estão constantemente a sair discos com obras nunca antes gravadas, muitos dos quais largamente elogiados pela crítica especializada e distinguidos com prémios de prestígio (Diapason d’Or, etc.). E quanto a esses, qualquer que seja a nacionalidade do compositor ou intérprete, constitui uma falha grave que não sejam adquiridos pela rádio pública.
No que respeita aos compositores e intérpretes portugueses de reconhecido mérito (independentemente da editora ser nacional ou estrangeira), é de todo o interesse que a emissora do Estado possua uma cópia de todos os seus registos fonográficos. A RDP tem a obrigação moral e histórica de ser a depositária de todas as gravações de obras escritas ou tocadas por cidadãos nacionais detentores de talento. Cito, a título de exemplo (um entre muitos que poderia apontar), o caso do pianista português Artur Pizarro, que publicou recentemente um álbum com a suite "Ibéria" (de Isaac Albéniz) e as "Goyescas" (de Enrique Granados), um dos eleitos da
BBC Music Magazine.
Será que os actuais locatários da direcção da Antena 2 e da administração da R.T.P. acham que mesmo tratando-se de Artur Pizarro, o mais distinto aluno de Sequeira Costa e que vem fazendo uma digníssima carreira internacional, não é importante para o serviço público possuir e divulgar os seus discos? Ou será que julgam que cabe às editoras oferecerem as suas edições à R.T.P., a troco de uma hipotética divulgação? Sendo esta a prática corrente na Antena 1, devem pensar que vale o mesmo para a Antena 2: «Se nos enviarem os discos, nós poderemos – eventualmente – divulgá-los; se não no-los enviarem, escusam de alimentar a ilusão de que os iremos comprar.»

Em contraste com esta visão tacanha e ao arrepio das obrigações culturais do serviço público, constata-se que há dinheiro a rodos para dar aos inaudíveis Pedro Malaquias, Paulo Alves Guerra e Raul Mesquita (já são três as séries "apresentadas" por tão "insigne autor" na Antena 2) e para esbanjar em futebóis, com a consequente carga onerosa para os contribuintes (cf. Mundial de Futebol: RTP não chora miséria II). Isto para não falar nos vencimentos verdadeiramente obscenos e afrontosos para os contribuintes que alguns indivíduos estão a auferir da endividada R.T.P., a começar pelo sr. Guilherme Costa com os seus 250 040,00€ anuais (cf. semanário "Sol", de 22.01.2010). A décima parte daquele montante chegaria e sobraria – calculo eu – para comprar todos os discos importantes de música erudita editados em cada ano.