25 novembro 2008

'Playlist' da Antena 1: uma vergonha nacional

Exmo. Senhor Primeiro-Ministro de Portugal,
Exmo. Senhor Presidente do Conselho de Administração da Rádio e Televisão de Portugal,
Exmo. Senhor Provedor do Ouvinte,

A programação musical de uma estação de rádio, ainda que com uma forte componente informativa, como é o caso da Antena 1 da RDP, é sempre um factor de primordial importância para a qualidade genérica do serviço que se pretende prestar. Ora quem se der ao trabalho de ligar para o principal canal generalista da rádio pública, rapidamente se apercebe da muito baixa qualidade, em termos gerais, da música que preenche os espaços de continuidade, vulgo 'playlist'. Digo mais: a 'playlist' actualmente em vigor na Antena 1 é tão má e intragável que a expressão popular "abaixo de cão" se lhe pode aplicar com toda a justeza e propriedade. E para não ser acusado de uma apreciação vaga e subjectiva, passo a fundamentar a minha asserção. Em primeiro lugar, começo por abordar o insustentável desequilíbrio que a 'playlist' evidencia no tocante à representatividade de diversos géneros musicais. Senão vejamos: mais e mais pop, a maior parte da qual de baixa extracção, e uma presença muito discreta e bastante rarefeita dos grandes autores/compositores/intérpretes. E absolutamente nada de música tradicional/folk e de fado e também muito pouca coisa de música latina (além de alguns intérpretes brasileiros). De facto, nomes tão importantes da música popular portuguesa como José Afonso, Adriano Correia de Oliveira, Manuel Freire, Carlos Paredes, Fausto Bordalo Dias, Vitorino, Janita Salomé, Teresa Silva Carvalho, Pedro Barroso, Paco Bandeira, Madredeus, Amélia Muge, Filipa Pais... não estão representados, ou então passam tão esporadicamente que se torna tão difícil dar por eles como encontrar uma agulha num palheiro. No caso da música de matriz tradicional, grupos tão referenciais como Brigada Victor Jara, Ronda dos Quatro Caminhos, Vai de Roda, Raízes, Maio Moço e Navegante estão de todo ausentes. E a situação não é diferente para os grupos (e intérpretes solistas) da nova e florescente folk portuguesa – Frei Fado d'El Rei, Gaiteiros de Lisboa, Realejo, Danças Ocultas, Diabo a Sete, Chuchurumel, Mandrágora, Dazkarieh, Mu, At-Tambur, Roldana Folk, Lúmen, Roda Pé, Pé na Terra, Origem, Fol&ar, Roncos do Diabo, Ventos da Líria, Monte Lunai, Arco da Velha, Nem Truz Nem Muz, Moçoilas, Segue-me à Capela, Manuel d'Oliveira, etc. (muitos outros exemplos podem ser vistos e ouvidos através da página dos Amigos do LUGAR AO SUL no My Space:
http://www.myspace.com/lugaraosul). O fado também não foge à regra: se nomes tão superlativos como Amália Rodrigues, Maria Teresa de Noronha, Lucília do Carmo, António dos Santos ou Luiz Goes estão completamente banidos, pouco melhor tratamento é dado à geração actual, de cujos intérpretes apenas são passados dois ou três temas durante a semana em que se dá o lançamento de discos. Depois disso são rapidamente descartados e atirados para o baú das coisas inúteis. E porquê? Porque destoam da omnipresente e hegemónica pop, a maior parte da qual, como já disse atrás, é absolutamente intragável. E como se isto não bastasse é por demais notório o favorecimento que alguns nomes da pop nacional recebem (porquê?), a ponto de passarem todos os dias, não sendo raro rodarem duas ou mais vezes num período de 24 horas – Paulo Gonzo, Pedro Abrunhosa, Rui Reininho/GNR, Luís Represas, Xutos & Pontapés, Filarmónica Gil, Santos e Pecadores, Beto, Mesa, Clã, Pólo Norte, Delfins, André Sardet, João Pedro Pais, Pedro Khima, Pedro Miguéis, Adelaide Ferreira, Rita Guerra, Margarida Pinto, Sandra Fidalgo, Susana Félix, Diana Basto, Lúcia Moniz, Ritual Tejo, Pedro e os Apóstolos, Classificados, Perfume, Cool Hipnoise, Blackout, Black Company, Da Weasel, David Fonseca, Silence 4, Rita Redshoes, Ana Free, The Gift, Fingertips, Hands on Aproach, ZZ Special, etc. A estes (todos nacionais, embora alguns, como os nomes deixam adivinhar, não façam música portuguesa) há que juntar "coisas imperdíveis" da pop internacional como Shakira, Anastacia, Mariah Carey, Alicia Keys, Melanie C, Kylie Minogue, Robbie Williams, James Blunt, Seal, Eros Ramazzotti, Alejandro Sanz, Jennifer Lopez, Christina Aguilera, Ricky Martin, Maroon 5, Keane, Brandi Carlile, Colbie Caillat, Leona Lewis, James Morrison (não confundir com o vocalista dos Doors, James Douglas Morrison, mais conhecido por Jim Morrison), e muitos outros nomes do 'mainstream' comercial, de tal modo que eu às vezes fico na dúvida se estou a ouvir a Antena 1 ou se uma rádio subsidiária do canal televisivo MTV. Bem, pelos nomes citados, dá bem para perceber qual a música que predomina na rádio pública e também a que é deliberadamente marginalizada e silenciada. Em face disto, uma pergunta se impõe: será aceitável que os dois géneros musicais mais idiossincraticamente portugueses – a música popular (tradicional e de autor) e o fado – tenham o tratamento indigno e perfeitamente criminoso que estão a receber precisamente na rádio do Estado Português? Quantos ouvintes/contribuintes apreciadores desses géneros (e não são tão poucos quanto alguma gente nos quer fazer crer) estão a ver frustradas as suas legítimas expectativas relativamente ao serviço facultado pela emissora que eles financiam? Já sei que o director de programas, Rui Pêgo, vai dizer que esses géneros estão bem representados nas rubricas "Alma Lusa" e "Cantos da Casa". Mas estarão, em boa verdade? Qual é efectivamente o peso em termos percentuais de tempo de antena que ambos os géneros têm na programação geral? O fado, por acaso, tem desde Setembro de 2007 uma edição alargada (depois da meia-noite de domingo), mas isso não é razão para que o género não figure nos alinhamentos de continuidade. Mas a situação é ainda pior no que respeita à música tradicional (ou de inspiração tradicional), encafuada que está num minúsculo apontamento de 4 a 5 minutos por dia (imediatamente antes das 15:00). Será isto uma maneira digna de tratar essa importante vertente da nossa música? Façamos este exercício: meta-se o fado, a música tradicional e a música latina na 'playlist' e enfie-se a pop numa exígua rubrica ao género das outras. Aí Rui Pêgo também diria que a música pop estava bem representada? Haja seriedade e não se brinque com a inteligência dos ouvintes, por favor!
E quanto à música instrumental, não erudita, quer portuguesa quer estrangeira, como se explica a sua total ausência da famigerada 'playlist'? No caso da música endógena, será razoável e eticamente aceitável que nomes tão importantes como Carlos Paredes, Pedro Caldeira Cabral, Júlio Pereira, Rão Kyao, António Pinho Vargas, Edgar Nogueira e José Peixoto não se possam ouvir na rádio estatal? E relativamente a instrumentistas e grupos mais recentes como Mário Pacheco, Custódio Castelo, Ricardo Rocha, Ricardo Parreira, Pedro Jóia, Joel Xavier, Realejo, Danças Ocultas e Mandrágora, entre outros, será também admissível que estejam arredados?
Mesmo sem a música tradicional, o fado e a música instrumental, opção que enquanto ouvinte/contribuinte jamais aceitarei, ainda assim julgo que a 'playlist' podia ser muito melhor, pois no domínio do pop/rock há muita e boa música, sobretudo de origem anglo-americana. Mas como não é essa a que é escolhida (tirando um ou outro caso pontual: Katie Melua...), deve inferir-se que a miserável 'playlist' da Antena 1 reflecte as preferências e as predilecções musicais do seu editor, Ricardo Soares (aliás, não muito diferentes das do seu antecessor, Rui Santos). Na verdade, tal indivíduo, além de revelar uma estreita e limitada mundividência musical a ponto de só ter olhos para a pop, mostra ter ainda um estranha e insólita inclinação pelo que de mais reles e medíocre existe dentro do género. Abro aqui um parêntesis: é evidente que se Ricardo Soares não fosse o editor da 'playlist' da estação pública eu estaria a marimbar-me para os seus gostos pessoais (que lhe fizessem bom proveito!), mas estando em causa a qualidade e a diversidade da oferta musical da rádio para a qual me cobram, na factura da electricidade, uma taxa obrigatória (20.52 euros por ano + IVA), a que acrescem ainda outras verbas provenientes dos meus impostos (na dotação anual do Orçamento Geral do Estado), cumpre-me dizer de minha justiça. E como um mal nunca vem só, à apetência de Ricardo Soares pelo lixo musical junta-se ainda outra circunstância de peso e não menos preocupante. Refiro-me à escandalosa e insustentável permeabilidade de Rui Pêgo às estratégias comerciais do 'lobby' da indústria discográfica e à pressão de determinados agentes de 'management', os quais tudo fazem para que os artistas que representam passem com frequência e de preferência nos picos de audiência. Não é certamente por acaso que os temas promocionais dos novos discos (dos nomes mais vendáveis, evidentemente) que se ouvem na Antena 1 são exactamente os mesmos que rodam na RFM e na Rádio Comercial (dois exemplos perfeitos de estações ao serviço das multinacionais do disco) e também nas telenovelas da TVI (canal de televisão que, como se sabe, pertence ao mesmo grupo da editora Farol). Infere-se, portanto, que os responsáveis pela 'playlist' da estatal e pública Antena 1 assinam de cruz, e de olhos fechados, tudo aquilo que os departamentos comerciais das editoras mais preponderantes decidiram de antemão que é para passar nas rádios (e televisões). Mas terá sido para isso que foi criado o serviço público? E já que falei de editoras preponderantes, averigúe-se a que chancelas pertence o grosso da "música" que passa na Antena 1 (e já agora, também na Antena 3) e facilmente se concluirá que mais de 80 % do bolo está nas mãos destas quatro: EMI, Universal, Sony/BMG, Farol. Alguém mais ingénuo poderá pensar que isso é natural porque aquelas editoras são as que representam mais artistas e as que têm os catálogos mais extensos. Admito que isso seja verdade para a música pop/rock anglo-americana, mas não o é de todo para a música portuguesa. De facto, é à Valentim de Carvalho (já separada da EMI) e à Movieplay que pertencem os maiores e melhores acervos de música portuguesa. Mas por estranho que pareça tal realidade não se reflecte na 'playlist' da Antena 1, nos 60 % (serão mesmo?) de música portuguesa que ela está obrigada a passar, por determinação legislativa. Tal dever-se-á ao facto dessas casas não terem o mesmo poder de influência das multinacionais? A resposta não suscita dúvidas. Atente-se na seguinte afirmação: «Precisam de quotas boas para passar a música estrangeira, porque ela faz parte do 'package' que está pago nas avenças de promoção...». O quê? Quer isto dizer que a RDP (ou alguém por ela) recebe dinheiro de editoras para promover determinados artistas? A ser verdade, e não tenho razões para duvidar da fonte que me facultou a informação, isto é gravíssimo e deve ser publicamente denunciado. E gravíssimo porquê? Por três ordens de razões: primeira, a rádio pública não pode jogar em dois tabuleiros: ou se financia com o dinheiro dos contribuintes ou junto do mercado, cujos interesses e objectivos, como é bom de ver, nada têm a ver com o serviço público; segunda, porque ao enredar-se nessa promiscuidade, a rádio estatal está a fazer concorrência desleal às rádios privadas, roubando-lhes uma parte (não desprezível) do seu sustento; terceira, por ferir de morte o princípio da igualdade de oportunidades de acesso dos diversos artistas portugueses ao espaço público hertziano que, como se sabe, é um bem escasso e limitado. Escusado será dizer que às grandes editoras apenas lhes interessa promover os artistas que à partida lhes garantam certos patamares de lucro em face das expectativas dos accionistas (aliás, perfeitamente legítimas, caso contrário não teriam comprado as acções). E é aqui que assume particular importância a existência do serviço público de rádio (e de televisão) justamente para dar voz e visibilidade à música de qualidade que é importante que seja conhecida mas que não vende aos milhões, corrigindo-se ou atenuando-se desse modo as distorções do mercado. Caso contrário, ou seja, se a estação pública se limita a navegar nas ondas do mercado, falha rotundamente a sua missão e aí terá de se questionar o financiamento público. Adquire ainda mais pertinência o que acabo de dizer se atentarmos noutro aspecto importantíssimo: a melhor música portuguesa que vem sendo editada nos últimos anos já não provém das 'majors' mas antes de editoras independentes e de edições de autor. Eu pergunto: na 'playlist' da Antena 1, quantos artistas/discos há de pequenas editoras, as quais, apesar das dificuldades e adversidades, ainda apostam na música portuguesa de qualidade – Vachier & Associados, Ovação, Ocarina, HM Música, Açor/Emiliano Toste, Tradisom, Hepta Trad, etc.? E onde estão as edições de autor, que são cada vez em maior número? Faça-se uma monitorização à 'playlist' e facilmente se comprovará o que acabei de enunciar. Consequência de tudo isto: a música portuguesa mais qualificada e de maior valia é, sem margem para dúvidas, a que está a ser mais seriamente prejudicada com o lastimável estado de coisas a que chegou a Antena 1, circunstância que sai agudizada em virtude de as estações comerciais também não lhe darem grande divulgação, pela contingência de dependerem do mercado publicitário, e das tais avenças com as discográficas. Em todo o caso, é justo que se diga que a 'playlist' da Rádio Renascença, com os seus inevitáveis condicionalismos de natureza comercial, consegue ser, neste momento, bem melhor que a da Antena 1. Isto dá que pensar!
Eu falo enquanto ouvinte, mas é bom não esquecer os muitos artistas portugueses que estão a sofrer na pele o ostracismo a que são votados pela emissora do Estado (para a qual também eles contribuem, convém lembrar). Não é difícil deduzir que a falta de visibilidade mediática acaba por se repercutir numa acentuada diminuição de discos vendidos e, sobretudo, num drástico decréscimo de convites para a realização de concertos. Já lá diz a sabedoria popular: «Quem não aparece, esquece!». Realize-se um inquérito junto dos nomes mais representativos e conceituados do nosso meio musical indagando em que pé estão as suas agendas de concertos, e facilmente se constatará a situação periclitante em que muitos deles se encontram (a alguns já só resta, para sobreviverem, a magra espórtula que, de tempos a tempos, recebem da SPA). E se isso acontece com nomes que créditos firmados mas completamente marginalizados pela rádio e televisão, o que dizer dos intérpretes (cantores, instrumentistas, grupos) em início de carreira, que por honestidade intelectual e coerência artística, não querem pactuar com a mediocridade reinante e se recusam a vogar ao sabor das correntes dominantes em cada momento? O que tem feito a Antena 1, nos últimos anos, em prol de todos esses artistas? Bem, eu falei dos vivos mas não se deverá olvidar os que já não se encontram entre nós. Neste caso, não por questões materiais (obviamente), mas pela importância da preservação da memória cultural que, como se sabe, é, juntamente com a língua, o principal factor da identidade nacional. E, neste aspecto, terá de se dizer que a atitude dos responsáveis pela 'playlist' tem sido absolutamente indigna e criminosa (por ironia do destino, na mesmíssima rádio que tem um 'slogan' que diz «Antena 1: uma rádio com memória!»).
Interpelado com estas questões, calculo que Rui Pêgo vá alegar qualquer coisa do género: «A rádio pública tem de acompanhar as tendências do mercado». Ora eu pergunto-lhe: é o mercado que lhe paga os 8500€ (1.700 contos) mensais de vencimento? Não: esse dinheirinho e ainda o que é gasto noutras mordomias não tributadas (automóvel da empresa, cartões de crédito, saldo de telemóvel, viagens de avião e estadias em hotéis, etc.) provém dos bolsos dos ouvintes/contribuintes, mas pelos vistos não é a esses que o actual director de programas está interessado em servir. Apenas e só ao mercado!... Escusado será dizer que quem assim pensa e age está no sítio errado, e em face disso a administração da Rádio e Televisão de Portugal e o poder político deverão tirar as devidas ilações.
Concluindo: em virtude da escassez e/ou exiguidade de espaços musicais de autor na grelha da Antena 1, dedicados aos géneros de música portuguesa fora do domínio da pop, a questão fulcral da 'playlist' pelo peso avassalador que tem no cômputo geral da emissão, reclama a urgente atenção de quem tem por competência a avaliação e fiscalização do serviço público de rádio.
Com os mais respeitosos cumprimentos,


Álvaro José Ferreira

17 novembro 2008

Frei Fado d'El Rei vence Prémio José Afonso



O álbum "Senhor Poeta: Um tributo a José Afonso", do grupo Frei Fado d'El Rei, editado pela Ovação em Abril de 2007, foi o grande vencedor da edição de 2008 do Prémio José Afonso, instituído pela Câmara Municipal da Amadora, e que tem o valor pecuniário de 5 mil euros. O júri foi constituído pelo jornalista Carlos Pinto Coelho, a pianista Olga Prats, a coordenadora do Serviço de Animação Cultural da C.M. Amadora, Natália Cañamero de Matos, e o Vereador da Cultura da edilidade, António Moreira. Instituído em 1988, o Prémio José Afonso tem o objectivo de homenagear o imortal autor/compositor/intérprete, incentivar a criação musical de raiz portuguesa e animar turística e culturalmente a Amadora. O grupo Frei Fado d'El Rei junta-se assim a uma prestigiosa galeria de artistas já distinguidos: Fausto Bordalo Dias, Vitorino, Sérgio Godinho, Júlio Pereira, José Mário Branco, Né ladeiras, Amélia Muge, João Afonso, Vai de Roda, Gaiteiros de Lisboa, Dulce Pontes, Vozes do Sul/Janita Salomé, Jorge Palma, Carlos do Carmo, Filipa Pais, José Medeiros e Brigada Victor Jara.
Em 2007, ano em que se assinalaram os vinte anos da morte de José Afonso, foram sete os álbuns de tributo ao autor de "Cantigas do Maio", pelo que não era fácil ao júri não ter em consideração essa leva de edições, o que não quer dizer que não houvesse outros discos perfeitamente premiáveis, como é o caso de "Parainfernália", do grupo Diabo a Sete (ed. Açor/Emiliano Toste); "Não Sou Daqui", de Amélia Muge (ed. Vachier & Associados); "Vinho dos Amantes", de Janita Salomé (ed. Som Livre); e "À Espera de Armandinho", de Pedro Jóia (ed. HM Música), este último recentemente distinguido com o Prémio Carlos Paredes. Em todo o caso, a escolha de "Senhor Poeta" não deixa de ser justíssima, precisamente por se tratar do melhor de todos os trabalhos de abordagem à obra de José Afonso (como tive o ensejo de referir no texto
Grandes discos da música portuguesa: editados em 2007) e também por vir reconhecer a importância do grupo Frei Fado d'El Rei para a música portuguesa. Embora com uma discografia escassa – além de "Senhor Poeta", apenas dois álbuns de originais ("Danças no Tempo", Sony Music, 1995; e "Encanto da Lua", Sony Music, 1998) e um gravado ao vivo ("Em Concerto", Açor/Emiliano Toste, 2003) – a estética do grupo Frei Fado d'El Rei é indiscutivelmente uma das mais originais, inovadoras e cativantes do nosso panorama musical, mas que ainda não logrou obter o devido reconhecimento. Refira-se a propósito que o grupo foi um dos participantes no álbum colectivo "Filhos da Madrugada Cantam José Afonso" (MG Ariola, 1994), com uma belíssima versão do tema "Que Amor Não me Engana" (também presente em "Senhor Poeta"). Estão pois de parabéns José Flávio Martins, Carla Lopes, Cristina Bacelar e restantes elementos dos Frei Fado d'El Rei e, igualmente, os jurados, pela lúcida e justa decisão.
Agora, e tal como fiz a propósito do
disco de Pedro Jóia, não posso deixar de lamentar e contestar veementemente a atitude indigna e perfeitamente criminosa da pública Antena 1 face ao álbum "Senhor Poeta", a ponto de ter sido completamente ignorado, quer em programas e rubricas dedicados à música portuguesa e lusófona – "Vozes da Lusofonia", "Cantos da Casa" e "Viva a Música" – quer na vergonhosa 'playlist'. No caso concreto do programa "Vozes da Lusofonia", será razoável e sensato que se ignore um álbum que recebe o Prémio José Afonso e se contemplem discos cantados em inglês e, já agora, se dedique duas emissões a uma colectânea do nacional-cançonetista António Calvário? Atenção: eu não estou a dizer que o António Calvário devesse ficar de fora, mas jamais poderei aceitar o tratamento de privilégio que lhe foi dado (porquê?), ao mesmo tempo que se vota ao ostracismo trabalhos discográficos de reconhecida qualidade e valor artístico. Indo agora à famigerada 'playlist', e tendo em conta o peso desmesurado que ocupa na programação, como se explica que o disco agora premiado não esteja representado? Será isto admissível e eticamente aceitável na rádio para a qual nos cobram (coercivamente) 3.42€ + 5% de IVA a cada bimestre? Algo de muito pútrido se está passar no serviço público de rádio! E o responsável máximo pela podridão, ao contrário do que geralmente acontece em matéria putrefacta, não é nenhuma bactéria ou fungo. O agente patogénico é um hominídeo e chama-se Rui Fernandes Pêgo.

Nota: À falta de divulgação radiofónica, quem quiser ouvir algumas músicas do CD "Senhor Poeta" pode fazê-lo na página dos Frei Fado d'El Rei no My Space:
http://www.myspace.com/freifadodelrei
Está também disponível, no blogue Crónicas da Terra, uma entrevista que os músicos José Flávio Martins e Ricardo Costa, concederam ao programa "Terra Pura", precisamente em torno do disco e ilustrada com diversos temas do mesmo.

11 novembro 2008

Promoção à RTP-1 na Antena 2

A par dos já costumeiros e massacrantes 'sopts' autopromocionais e de outro lixo sonoro que Rui Pêgo introduziu na Antena 2, recentemente começaram também a passar 'spots' de promoção à programação da RTP-1. Embora a minha audição da Antena 2, pelas múltiplas razões já anteriormente enunciadas, não seja hoje tão assídua e regular como há uns anos, já lá ouvi três dos tais 'sopts': um ao programa de Catarina Furtado, "A Minha Geração", outro ao "Prós e Contras", de Fátima Campos Ferreira, e um terceiro aos jogos de futebol da I Liga, aquele onde o Jorge Gabriel surge a interpelar, em jeito de desafio, algumas das caras do canal – o José Rodrigues dos Santos, a Judite de Sousa, e também a desinteressante e acéfala Sílvia Alberto e os anafados mas culturalmente indigentes Fernando Mendes e José Malato. Numa primeira e genérica apreciação, e atendendo a que a RTP-1 pertence do mesmo grupo empresarial, a Rádio e Televisão de Portugal, poder-se-ia encarar como razoável a sua promoção nas rádios do grupo (como sucede, por exemplo, com as telenovelas da TVI nas ondas do RCP e da Rádio Comercial). Acontece que tal promoção, no caso concreto da Antena 2 levanta alguns problemas que não devem ser ignorados. Em primeiro lugar, promover na Antena 2 um canal de televisão com uma programação de cariz ligeiro e destinada a um público culturalmente pouco exigente, como é o caso da RTP-1, não pode deixar de soar a bizarro. Será que quem costuma alimentar o seu espírito com Bach, Beethoven, Schubert ou Mahler é o público-alvo para as futeboladas, os programas de música pop e de variedades (como o anunciado "A Minha Geração"), e outras coisas absolutamente rascas como "O Preço Certo", "Os Contemporâneos", o "Tele-Rural" e a "Liga dos Últimos" (isto para já não falar nas touradas e nos concertos do plagiador Tony Carreira)? É óbvio que não, pela clara e notória desadequação existente entre a natureza do que se anuncia e o nível cultural e de gosto do público ao qual se faz chegar a mensagem. Tal desadequação não será tão flagrante na Antena 1 mas ainda assim, e mesmo havendo reciprocidade no tocante à promoção, há outra questão em que importa atentar. A RTP-1 é um canal com publicidade comercial coisa que, por tradição e por determinação legal, não acontece na Antena 1 e nas demais antenas da rádio pública. Será pois correcto e eticamente aceitável que em canais que não têm publicidade se promova um outro que a tem, ainda que integrando a mesma entidade empresarial? Não estaremos em presença de uma forma ardilosa e abusiva de angariar audiências para a publicidade comercial? Para a que passa nos intervalos dos programas e também – convém não esquecer – para a estática dos estádios de futebol, estrategicamente colocada nos pontos mais focados pelas câmaras. Por conseguinte, a existir promoção de canais de televisão na Antena 2 isso teria de ser logicamente da RTP-2, por um lado, pela maior proximidade cultural e de conteúdos, e, por outro, por não ter publicidade comercial mas institucional (por vezes, não é bem assim... mas adiante!). Pessoalmente, até nem apresentaria nenhuma objecção se na Antena 2 se sugerisse programas como o "Câmara Clara" ou o "Biosfera", documentários sobre escritores e artistas, e sobretudo transmissões de ópera, bailado e teatro. Em todo caso, em vez de encaminhar os seus ouvintes para a televisão, o normal e plausível seria a Antena 2 oferecer um serviço tão cativante e aliciante que não suscitasse em quem a ela recorre a vontade de ir à procura da televisão. Enquanto radiófilo, e embora sem qualquer aversão à televisão (apenas à mediocridade nela veiculada), nunca aceitarei atitudes que mais não são que a aceitação tácita de que a rádio é um meio menor e que se alguma função ainda tem é promover (prejudicando-se a si mesma) o elo mais forte. Já agora, alguém me esclarece uma dúvida: de quem partiu a ideia estrambólica de promover a RTP-1 na Antena 2? Do inepto (mas principescamente pago) Rui Pêgo ou do seu comparsa no conselho de administração, António Luís Marinho?