21 outubro 2008

Haendel em versão Reader's Digest



A existência de programas, ou de ciclos temáticos, dedicados à divulgação mais ampla e aprofundada da obra de determinado compositor, género ou época, é sempre de louvar no serviço público de rádio. E presumo que terá sido esse o propósito que presidiu à encomenda (ou à aceitação da proposta) da série de programas "Haendel de A a T", inserida no espaço Caleidoscópio (domingos, às 9 horas da manhã). Haendel, apesar de ser um dos compositores mais proeminentes do período barroco, e de toda a História da Música, tem uma obra relativamente pouco conhecida, se exceptuarmos as suites orquestrais "Música Aquática" e "Música para os Reais Fogos de Artifício", a oratória "Messias" e umas quantas árias de ópera (sobretudo para contratenor). A restante e prolífica produção haendeliana é praticamente desconhecida do público português, facto que se explica por tais obras muito raramente serem tocadas/representadas em Portugal e também pela sua parca e esporádica divulgação radiofónica. Neste contexto, a aposta num ciclo de programas dedicado ao compositor, alemão de nascimento e inglês por adopção, podia ser uma boa oportunidade para os ouvintes da Antena 2, em especial os amantes da música barroca, descobrirem, ou redescobrirem com maior profundidade e amplitude, o seu vasto repertório, nas suas diferentes categorias – obras religiosas, obras corais profanas, óperas, música de câmara, obras concertantes e orquestrais. Mas quem alimentou tais expectativas – perfeitamente legítimas, aliás – viu-as goradas. Senão vejamos! Quem se deu ao cuidado de acompanhar as três emissões de "Haendel de A a T", que até à data foram para o ar, o que é que ouviu? Sequências aleatórias e perfeitamente desconchavadas (quais miscelâneas das Selecções do Reader's Digest) de árias e duetos de ópera com um ou outro trecho de música orquestral, entremeadas com comentários mal elaborados e de reles recorte, revelando um pedantismo insuportável. Comentários esses, ainda por cima, debitados por uma voz de uma fealdade horripilante (roufenha e a descair para o grunhido, ressalvando a alusão eventualmente abusiva à vocalização porcina) e numa dicção de cano de esgoto. Raul Mesquita é o nome do autor e apresentador desta mistela intragável (não obstante a música de Haendel) que a Antena 2 nos passou a servir nas manhãs de domingo. Não conheço o sr. Raul Mesquita, nem nunca o vi, magro ou gordo, mas pelo que se tem ouvido, fica bem evidente que a pessoa não reúne as condições mínimas para realizar e, ainda menos, para apresentar um programa de rádio. Para fazer um programa não basta ter uma boa colecção de discos e, eventualmente, frequentar salas concertos / teatros de ópera: é preciso dominar em profundidade os assuntos que se pretende tratar e, depois, saber expor o que se sabe, de forma clara e em bom português, e com uma lógica de encadeamento, o que não é notoriamente o caso. Mas mesmo que fosse, nada nos diz que um autor tenha de ser também apresentador, quando Deus (ou a Natureza) não o dotou de uma voz com as características necessárias à locução radiofónica. Se Raul Mesquita não tinha consciência disso era expectável que alguém da rádio pública lho explicasse. E aqui terá de se pedir responsabilidades à direcção de programas da Antena 2. Como é possível que Rui Pêgo e o seu adjunto João Almeida, que até nem eram extraterrestres do meio rádio quando foram colocados à frente da Antena 2, tenham aprovado semelhante voz e, ainda por cima, num canal que pelo seu figurino e sentido de exigência do seu auditório requeria um cuidado redobrado? Não dá mesmo para entender! Mas há uma coisa que fica clara: o presente caso é apenas mais um que serve para demonstrar a total inépcia e incompetência daqueles dois indivíduos para dirigirem o canal clássico/cultural da rádio pública.

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