17 abril 2007

Formas de poluição sonora na rádio pública

Como já tive oportunidade de dizer noutras ocasiões, defendo que a Antena 2 não deve ser um canal exclusivamente musical, qual mera 'playlist' de obras (ou trechos de obras) de música clássica (embora sem os padrões de repetição comuns nas rádios generalistas), mas antes uma rádio com uma forte componente de programas de autor. Neste contexto, o Sr. João Almeida, tem o meu total apoio quando, no programa "Em Nome do Ouvinte" (13-04-2007), diz que a Antena 2 tem de ter programas culturais e de palavra. Caso contrário – acrescento eu –, não haveria poesia, nem teatro, nem sequer espaços dedicados a outras áreas da cultura e do conhecimento que se não fosse a Antena 2 a dar-lhes atenção, ficariam ausentes do panorama radiofónico português. E se os contribuintes são obrigados a contribuir para rádio estatal, então o mínimo que eles exigem é que ela lhes preste um serviço que mais ninguém lhe faculta. Neste contexto, o Sr. João Almeida também tem inteira razão quando defende a música étnica e o jazz (se bem que horários se possam questionar), mas perde-a por completo, quando nos deparamos com a penúria e a ausência de programas dedicados às várias temáticas culturais, para além dos apontamentos da actualidade cultural ou do desfiar, por vezes fastidioso, dos eventos que decorrem extra-muros. Onde está um programa sobre História? Onde está a literatura (além da poesia)? Onde está o teatro radiofónico, feito com profissionalismo e sem experimentalismos entediantes? Será que para o director-adjunto da Antena 2, a função cultural da rádio pública (fora do âmbito musical) fica cumprida com o acto de noticiar o que vai acontecendo no país? Digo mais: o Sr. João Almeida foi arrogante e insultuoso quando rotula de ignorantes os ouvintes da Antena 2 que não gostam de ser massacrados com torrentes incessantes de notícias, como se esses ouvintes fossem uns trogloditas que não tivessem acesso a outros meios para tomarem conhecimento do que se passa no mundo. E como se isso não bastasse, tem ainda a petulância de vir dizer que as notícias (e digo notícias e não informação porque boa parte das notícias não representam verdadeira informação) são um factor de humanização. Humanização? Com que então, os ouvintes da Antena 2 ficam mais humanizados (quer dizer, mais civilizados e mais cultos) por saberem que houve um tiroteio na Cisjordânia ou que explodiu uma bomba no Iraque? Devo dizer que não me sinto nem mais humano nem mais civilizado, bem pelo contrário, quando me enchem a cabeça com as desgraças e os morticínios que vão acontecendo no mundo, sabendo eu, de antemão, que os responsáveis primeiros por tudo isso se encontram comodamente instalados em Washington e em Londres. Portanto, pela parte que me toca, dispenso o tipo humanismo com que o Sr. João Almeida me quer presentear mas já não estou disposto a prescindir de uma rádio genuinamente humanista, ou seja, uma rádio que acarinhe a verdadeira cultura humanística que foi produzida pelo género humano ao longo dos séculos, em vez de me inundarem com a espuma dos dias que se esvai sem deixar rasto e que mais não é do que poluição para os ouvidos. A quem gosta de se nutrir com o trivial quotidiano, não tem já à sua disposição uma miríade de fontes noticiosas, incluindo a própria Antena 1 com os seus blocos de notícias de meia em meia hora?
Longe se ser um factor de humanização como o Sr. Almeida nos quer fazer crer, o caudal ininterrupto de notícias de que os media são veículo, e que ultrapassa em muito a capacidade de digestão dos receptores, acaba, afinal de contas, por constituir mais uma componente de entretenimento, para não dizer de alienação. As notícias foram transformadas em produtos de consumo que é preciso descartar porque logo a seguir surgem outras novas e frescas prontas a consumir. Enfim, consomem-se notícias e factos mediáticos do mesmo modo que se consomem telenovelas ou 'reality shows'. E depois, o Sr. João Almeida, enquanto jornalista, deverá certamente saber que uma grande percentagem das notícias postas a circular, longe de apresentarem um inegável interesse público, se prestam antes a outras finalidades – políticas, económicas ou outras. E convém também não esquecer que as empresas jornalísticas precisam de vender jornais e que as televisões e as rádios precisam de ter audiências. Ora como é sobejamente sabido o que, na maioria das vezes, se vende melhor ou garante maiores audiências não são os factos mais relevantes e de indiscutível valor informativo, mas coisas de uma importância muito relativa e que o tempo rapidamente se encarrega de colocar no rol das nulidades históricas. Portanto, a invasão da Antena 2 pela praga das notícias dever-se-á, creio bem, a razões corporativas que talvez o Sr. João Almeida não goste de assumir explicitamente.
E já que falei de poluição sonora, aproveito para deixar aqui o meu protesto por outras fontes de ruído que passaram a pulular na rádio pública, surgidas primeiro na Antena 1 e que depois de estenderam à Antena 2. Com efeito, assiste-se a uma panóplia de 'jingles', sons de fundo, indicativos e 'spots' sem uma visível mais-valia auditiva para o ouvinte e que dadas as recorrentes repetições acabam por se tornar um importante factor de saturação (e consequente repulsa) para os ouvintes mais fidelizados. O horror ao vazio, e a necessidade imperiosa de preencher tudo o que represente silêncio, tem vindo a tornar a rádio pública num produto impróprio para consumo. Em vez de tantos ruídos perfeitamente supérfluos e desnecessários, não seria muito mais razoável e de bom gosto preencher os chamados tempos mortos com pequenas peças instrumentais que geralmente não são incluídas nos alinhamentos musicais? Enquanto radiófilo, devo dizer que a proliferação de ruídos das mais variadas espécies, me aflige na rádio em geral, mas no caso da estação pública, a situação atingiu um ponto crítico e, por isso, urge que quem de direito lhe preste a devida atenção.
Por exemplo, quando me atiram pela enésima vez com o 'spot' do programa "Fuga da Arte", a reacção imediata que me surge é a de destruir o aparelho, tal é a aversão que já me provoca tal anúncio. Além de se tratar de um 'spot' esteticamente repelente ainda nos prima por achados deste jaez: «Woody Allen acabou de vez com a cultura e a Antena 2 entretém-se agora a brincar com os pedaços». Quem foi o autor de tamanha patacoada? É verdade que Woody Allen escreveu um livro intitulado «Para Acabar de Vez com a Cultura», mas em tom de ironia, pelo que concluir de forma literal que ele próprio acabou com a cultura, parece-me uma extrapolação errada e reveladora de superficialidade intelectual. Porque se Woody Allen tivesse acabado com a cultura, nem ele continuaria a fazer filmes nem tocaria clarinete. Ou será que essas formas de expressão artística, no caso de Woody Allen, não se podem considerar cultura? Enquanto apreciador de Woody Allen, mais do realizador que do músico, devo dizer que me recuso a aceitar tal asserção e estou em crer que ele próprio também não se revê sinceramente nela. Aliás, quando o cineasta Woody Allen vai beber a um Ingmar Bergman ou a um Fellini, não está a fazer outra coisa do que assumir a herança cultural dos grandes mestres da sétima arte em vez de a rejeitar.
Refiro também os anúncios à Rádio Mozart e à 'powerbox' da TV Cabo, que de tanto serem repetidos também já me criaram anticorpos de rejeição. Não sei se quem assegura a continuidade da emissão dispara tais 'spots' por puro divertimento sadomasoquista ou se se trata de um tique mecânico e subconsciente resultante da assimilação subliminar e acrítica das técnicas repetitivas da publicidade. Ou será que os 'spots' e 'jingles' já fazem parte de uma 'playlist' que é preciso pôr no ar quando aparece uma qualquer luz a piscar no monitor do computador? Qualquer que seja o caso, gostaria sinceramente que esses ruídos fossem abolidos ou, pelo menos, emitidos com muito mais parcimónia. É que os nossos ouvidos são tolerantes mas só até a um certo ponto. A rádio deve ser uma fonte de prazer, nunca uma tortura e uma fonte de stress e mal-estar. Eu sou um grande amante de rádio, mas infelizmente a própria rádio dá-me cada vez mais motivos para a não ouvir, impelindo-me para outras alternativas de fruição auditiva, tais como a música do meu próprio acervo ou o 'podcasting'.
Indo agora à Antena 1, o fenómeno dos ruídos de tão intenso e generalizado já se tornou uma verdadeira epidemia, potencialmente ameaçadora da saúde mental dos ouvintes mais fiéis. São os 'jingles', são as cortinas de péssimo gosto estético, são os 'spots' promocionais repetidos até à exaustão, são as notícias do trânsito perfeitamente redundantes e sem qualquer novidade, e são as temperaturas papagueadas a todo o momento (antes, no meio e depois das notícias). Qual o interesse em se estar constantemente a massacrar os ouvintes com as temperaturas ou a dizer se está a chover ou se faz sol? De manhã, antes das pessoas saírem de casa, é inegável que faz todo o sentido falar do tempo previsto para o dia, para se saber se vale a pena levar o guarda-chuva ou ir mais ou menos agasalhado. Mas depois disso, quando as pessoas já estão na estrada ou já se encontram no emprego, que utilidade tem para elas vir o locutor de serviço, qual papagaio, debitar periódica e recorrentemente as temperaturas e a lembrar que lá fora está a chover, ou que o céu está cinzento ou que está um dia de sol radioso? E qual o interesse para a generalidade dos ouvintes da Antena 1 saber a temperatura que se regista em Helsínquia ou Estocolmo? Será que os eventuais ouvintes que pensam viajar até à Finlândia ou à Suécia estão à espera da preciosa informação meteorológica veiculada pela Antena 1 quando essa informação, ainda por cima muito mais detalhada, está disponível na internet e mesmo nos teletextos?
Ainda no tocante à Antena 1, cumpre-me contestar a repetição exagerada e exasperante de alguns 'spots' promocionais, quase sempre dos mesmos programas. Por exemplo, por que motivo os programas "Novos Artistas da Bola" e "Cinemax" são muito mais promovidos do que todos os outros? Será pelo facto do seu autor, Tiago Alves, ser também subdirector de programas da Antena 1? A ser assim, devo dizer que acho a atitude bastante condenável, sobretudo do ponto de vista ético e deontológico. E depois essa atitude egotista tem ainda a agravante de representar uma secundarização implícita do trabalho de outros realizadores da casa, o que é de todo inaceitável. Por outro lado, pôr no ar 'spots' genéricos, de pouco vai adiantar, pois os ouvintes fiéis de determinado programa não precisam do 'spot' para nada. E no caso dos ouvintes não habituais de determinado programa (que presumo sejam os principais alvos dos 'spots'), também não creio que seja um 'spot' genérico que lhes vá despertar o desejo de ouvir um programa que, à partida, não lhes suscita especial interesse. Ao invés, com 'spots' específicos sobre o conteúdo de cada emissão, acredito sinceramente que alguns programas, como o "Viva a Música" ou o "Vozes da Lusofonia", teriam muito a ganhar em termos de captação de ouvintes. Contudo, e apesar desta evidência, constata-se que nem sempre são emitidos 'spots' desses programas mencionando os artistas convidados. E se isto acontece na emissão radiofónica, também não deixa de ser verdade no caso da informação disponibilizada na internet, não raras vezes ausente, mormente no tocante ao programa "Vozes da Lusofonia". Acontecerão estas coisas por desleixo, por falta de profissionalismo ou, pura e simplesmente, por um propósito obscuro de desinvestimento nesses programas? Já alguém dizia: é preciso abater as árvores para que não façam sombra aos arbustos!
A ausência de publicidade seria à partida uma vantagem da Antena 1 relativamente às estações congéneres de música e informação. Todavia, e lamentavelmente, quem tem passado pela direcção, nos últimos anos, não só não tem sabido aproveitar esse trunfo como, ao invés, tem criado um conjunto de factores e circunstâncias que tornaram a Antena 1 numa coisa insuportável e indigesta para muita gente que se habituara a tê-la como a sua rádio, por ser diferente e alternativa. Em conclusão: a Antena 1 precisa de uma urgente operação de limpeza e de redefinição do serviço, que lhe devolva a capacidade de sedução de que foi criminosamente espoliada porque só assim muitos dos ouvintes que dela se afastaram (por razões compreensíveis) a ela poderão voltar. E escusado será dizer que os critérios de escolha musical também precisam de ser reformulados, porque muita da música que tem passado (quer portuguesa quer anglo-americana) é autêntico lixo. Isto para já não falar na situação de marginalização e boicote de nomes de referência da música portuguesa que se continua a verificar.

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