03 janeiro 2007

Música portuguesa na RTP: filhos e enteados



É hábito as televisões portuguesas, na quadra natalícia, melhorarem a grelha sobretudo com a exibição de filmes e a transmissão concertos de música. A RTP-1 também cumpriu a tradição, mas no caso da música portuguesa fê-lo da pior maneira. Começo pelos horários: Marco Paulo, Tony Carreira e Anjos passaram em horário nobre enquanto que José Mário Branco, João Braga e Camané foram atirados para a madrugada. Por exemplo, o concerto de José Mário Branco que teve como convidados nomes tão importantes como Fausto Bordalo Dias, Júlio Pereira, Filipa Pais e José Peixoto passou – pasme-se! – depois das 2:30 da madrugada. Desconheço qual o critério usado pela direcção de programas da RTP-1 para a desigualdade de tratamento dada aos vários artistas da nossa praça, mas partindo do pressuposto que pesou uma suposta maior popularidade de uns em relação a outros, então a televisão pública prestou um péssimo serviço público. A televisão pública não pode nem deve andar atrás de audiências mas tão-somente procurar apresentar o melhor serviço que está ao seu alcance. Nem vou ao ponto de dizer que nomes como Marco Paulo, Tony Carreira e Anjos (incluindo todos os 'Pimbas' que costumam marcar presença nos programas da manhã e da tarde) não devem ter lugar na televisão pública mas já não posso aceitar, de forma alguma, a marginalização de que cantores / intérpretes de créditos firmados e de qualidade incontestada vêm sendo alvo. E digo isto não tanto pela consideração de que tais artistas são credores, mas apenas pelo respeito que a direcção de programas da RTP-1 devia ter pelos telespectadores seus apreciadores. Assim fica-se com a ideia que de que para a televisão estatal só interessam os apreciadores de Marco Paulo, Tony Carreira, Anjos e afins enquanto que os demais telespectadores não contam para nada. Ou servirão apenas para pagar a taxa do audiovisual?
E como se isto não bastasse, constata-se ainda que muitos artistas de qualidade reconhecida (entre os quais algumas figuras de referência da música portuguesa) nem sequer têm acesso à televisão do Estado, mesmo em horários esconsos, o que me parece muito grave. Por que motivo os telespectadores da televisão pública não podem ver / ouvir uma Mísia, uma Aldina Duarte, uma Ana Laíns, uma Amélia Muge, um Pedro Barroso, um Vitorino, um Janita Salomé, um Eduardo Ramos, um Rão Kyao, um Júlio Pereira, um Pedro Caldeira Cabral, um José Peixoto, um Pedro Jóia, uns Frei Fado d'El Rei, isto para já não falar em tantos e bons agrupamentos de música folk / tradicional – Aqua d'Iris, At-Tambur, Belaurora, Brigada Victor Jara, Canto da Terra, Charanga, Chuchurumel, Contrabando, Danças Ocultas, Dar de Vaia, Dazkarieh, Gaiteiros de Lisboa, Galandum Galundaina, Lúmen, Maio Moço, Mandrágora, Marenostrum, Melodias do Vento, Moçoilas, Modas ao Luar, Mu, José Barros e Navegante, Nem Truz Nem Muz, Ódagaita, Pedra d'Hera, Popularis, Quadrilha, Real Companhia, Realejo, Roda Pé, Roldana Folk, Ronda dos Quatro Caminhos, Rosa Negra, Segue-me à Capela, Som Ibérico, Terrakota, Trovas à Toa, Vá-de-Viró, Vai de Roda.
Não competiria à televisão que todos financiamos dar a conhecer ao grande público o que de melhor se faz em Portugal em matéria de música popular? Será razoável que o dinheiro dos contribuintes seja desbaratado com os produtos de mais baixo nível, e se sonegue o que tem mais qualidade e autenticidade? Uma das atribuições do serviço público de televisão não é a promoção da língua e cultura portuguesas? Ou será que o Sr. Nuno Santos entende que a música pimba e a música de cassete pirata são o que melhor representa a cultura portuguesa?

3 comentários:

MGomes disse...

Mudam-se os tempos e as vontades são sempre as mesmas. Há já alguns anos para conseguir ver um programa televisivo do Fausto também tive de esperar até altas horas da madrugada.É esta cambada (como diria o Zeca) que não há meio de perceberem que o mundo pula e avança....
Um Abraço

Daniel disse...

Discordo desta afirmação: "Nem vou ao ponto de dizer que nomes como Marco Paulo, Tony Carreira e Anjos (incluindo todos os ‘Pimbas’ que costumam marcar presença nos programas da manhã e da tarde) não devem ter lugar na televisão pública".

A televisão pública (e não só, rádios incluídas) deve passar todos os artistas nacionais, sejam eles considerados "pimbas" (uma palavra horrível para descrever uma parte da música popular Portuguesa).

Mas concordo com a sua indignação referente ao facto de outros músicos serem terem o seu "tempo de antena" em horários tardios e não muito coniventes (respeitando, obviamente, todos aqueles quie trabalham de noite e têm, tanto na rádio como na televisão, uma companhia).

Cumprimentos

Avô Mokka disse...

Caro Daniel (coment. nº 2),

Dizer que a música pimba não deve ter lugar na televisão pública é um bocado forte e até politicamente incorrecto. Concordo.
Mas É VERDADEIRO.
Se a televisão pública deve ser veículo de cultura, não deve incluir música feita a metro por um estúdio que mete nuns sintetizadores umas frases feitas com um ou dois solos inventados em 1 minuto e que em 2 ou 3 horas faz um CD completo de música pré-fabricada.
Eu também sei fazer isso. E já o fiz, veja-se o álbum "Banana ao Molho Pardo" (podem descarregar que é meu e é grátis http://217.129.212.107/minhaweb/arqs/serv02.htm), não estou a falar sem provas ou sem saber.

Por outro lado discordo de que lhe chame música popular pelas mesmas razões: é sintético, é feito com um computador não tradicional e não tem qualquer ligação com a cultura portuguesa. Apenas se liga ao mau costume que temos (nós humanos) de copiar mal as obras de arte e depois dizer que lhe estivemos a introduzir um toque pessoal.



Quanto ao que diz o Álvaro, tenho de concordar.
Mas também todos sabemos que a televisão é o melhor meio de lavagem cerebral e que os políticos sabem bem disso (vem nos livros em que estudaram).
A televisão está submissa ao poder político por todas as veias do seu corpo, desde os directores aos patrocínios, passando pelas influências, pelas cunhas e pelas ameaças (veladas ou não) de um futuro triste para quem não alinhar pelos objectivos maiores da nação (ditados pelos políticos).

E os políticos sabem bem que uma população culta aprende a fazer contas, aprende a distinguir as mentiras das verdades, aprende a escolher os governantes.

Muito se andou para trás desde o 25 de Abril.

Saudações diatónicas
Avô Mokka (www.trovas-a-toa.pt.vu)