22 abril 2024

Camões por Carmen Dolores



Através da rádio descobri a importância da palavra, a magia dos sons, o papel que a imaginação pode representar nas nossas vidas. A rádio iria ajudar-me muito no meu futuro trabalho de actriz. A procura da inflexão certa tornou-se uma rotina apaixonante. Como dar naturalidade a um texto demasiado literário, como tornar minha uma «tirada» que desenvolve exactamente o contrário do que eu penso? E a imaginação sempre ali presente, pronta a ajudar, a acrescentar mais um valor.

                    CARMEN DOLORES (in "Vozes Dentro de Mim",
                                    Lisboa: Sextante Editora, 2017 – p. 15)


A voz pode ser mais forte do que uma presença. Dar tudo pela voz, foi um grande treino que me ficou da rádio. É bonito ser só voz — a voz sem rosto humano, a voz sem corpo, a voz pela voz.

                    CARMEN DOLORES (in "No Palco da Memória",
                                    Lisboa: Sextante Editora, 2013 – p. 180)


Carmen Dolores nasceu a 22 de Abril de 1924, fez hoje precisamente um século. A circunstância de o centenário da distinta actriz e recitadora acontecer no ano em que também se comemora o quinquicentenário da nascença da figura maior da Literatura (de Língua) Portuguesa, Luís Vaz de Camões, deu-nos a ideia de fazer uma celebração conjunta, isto é, focada em trechos da produção camoniana – teatro e poesia – na voz (límpida e colorida) de Carmen Dolores. São eles: três adaptações radiofónicas dos autos, todas sob a direcção de Álvaro Benamor (Teatro das Comédias, 1969, 1971 e 1972); a adaptação dramatizada de episódios d' "Os Lusíadas" feita por Adolfo Simões Müller, também com a direcção artística assegurada por Álvaro Benamor, que foi radiodifundida no Outono de 1972, no âmbito das comemorações do quadricentenário da 1.ª edição da monumental epopeia; e sete poemas da Lírica, todos extraídos do CD "Amor É Fogo: Poemas de Luís de Camões" (Série "Festa da Língua Portuguesa", Vol. III, Câmara Municipal de Sintra/Instituto Camões, 2001). O repositório apresentado, apesar de não ser extenso, testemunha excelentemente a difícil arte de "dar tudo pela voz" em que Carmen Dolores foi mestra. Boa escuta!

No que à hodierna rádio pública diz respeito, cumpre-nos, em primeiro lugar, enaltecer João Pereira Bastos pelo resgate que vem fazendo, desde Janeiro, no seu programa "Ecos da Ribalta", de peças de teatro em que participou Carmen Dolores, à razão de uma por mês. Já ouvimos – e com inexcedível agrado – "Othelo", de Shakespeare) [Parte I >> RTP-Play / Parte II >> RTP-Play], "A Castro", de António Ferreira [>> RTP-Play] e "Jogo do Amor e do Acaso", de Marivaux [>> RTP-Play], estando programada para esta semana (quarta-feira, às 17h:00, com repetição na sexta-feira, às 13h:00) "A Casa de Bernarda Alba", de Lorca. Nota máxima!
E na presente data, o que há a assinalar nas três antenas nacionais? Demo-nos conta da reposição na Antena 2, após o noticiário das 18h:00, da entrevista que a insigne actriz concedeu em 2014, por ocasião do seu 90.º aniversário, a João Almeida, para o programa "Quinta Essência". Dado que essa entrevista já fora retransmitida em Fevereiro de 2021, aquando do falecimento da artista, e existindo no arquivo histórico outras boas entrevistas, podia muito bem ter-se optado por uma delas, designadamente a concedida a José Manuel Gonçalves, em 1994, para o programa "A Ilha de Orpheu", que é, aliás, mais interessante por revelar os interesses e as predilecções culturais de Carmen Dolores [>> RTP-Arquivos]. A insistência na entrevista feita por João Almeida não é decerto alheia ao facto da mesma pessoa mandar na programação do canal. Por ser falho de ética e de isenção, tal procedimento não pode deixar de suscitar a veemente reprovação de quem preza um serviço público honesto e impoluto!
Ainda na Antena 2, não podemos deixar de elogiar o zelo de Luís Caetano ao consagrar a edição de hoje d' "A Ronda da Noite" a Carmen Dolores, com a gravação de uma intervenção da actriz nas Correntes d'Escritas 2013, seguida dum saboroso punhado de poemas respigados do seu CD "Poemas da Minha Vida" (2003) intercalados com belos momentos musicais [>> RTP-Play]. Nota máxima!
Nas Antenas 1 e 3 nada de nada em memória de Carmen Dolores lográmos apanhar, nas incursões que fizemos às respectivas emissões. É triste e é vergonhoso! Ademais tratando-se da actriz que mais trabalhou na estação pública, quer em peças de teatro e folhetins, quer em programas de poesia recitada, e que, nessa medida, mais contribuiu para o enriquecimento do acervo radiofónico português nas duas modalidades artísticas...



TEATRO DAS COMÉDIAS | 6 Jun. 1971 [>> RTP-Arquivos]
Auto dos Anfitriões, de Luís de Camões [>> texto integral]
Adaptação: Leopoldo Araújo
Direcção e ensaio: Álvaro Benamor
Intérpretes (e personagens): Carmen Dolores (Almena, mulher de Anfitrião), Ângela Ribeiro (Brómia, sua criada), Alexandre Vieira (Feliseu), Álvaro Benamor (Júpiter), Morais e Castro (Mercúrio), Canto e Castro (Sósia, moço de Anfitrião), Igor Sampaio (Calisto), Ruy de Carvalho (Anfitrião), Branco Alves (Belferrão, patrão), Carlos Rosa (Aurélio, primo de Almena)
Assistência técnica: Moreira de Carvalho
Realização: Horácio Gonzaga.


TEATRO DAS COMÉDIAS | 11 Jun. 1972 [>> RTP-Arquivos]
Auto d'El-Rei Seleuco, de Luís de Camões [>> texto integral]
Adaptação: Eduardo Jacques
Direcção e ensaio: Álvaro Benamor
Intérpretes (e personagens): Assis Pacheco (El-Rei Seleuco), Carmen Dolores (A Rainha Estratónica, sua mulher), Mário Pereira (O Príncipe Antíoco), João Perry (Leocádio, pajem do Príncipe Antíoco), Maria Dulce (Frolalta, criada da Rainha Estratónica), Luís Filipe (1.º físico), Ruy Furtado (2.º físico), Carlos Rosa (1.º criado), Mário Sargedas (2.º criado)
Assistência técnica: Fernando Pires
Realização: Horácio Gonzaga.


TEATRO DAS COMÉDIAS | 8 Jun. 1969 [>> RTP-Arquivos]
Auto de Filodemo, de Luís de Camões [>> texto integral]
Adaptação: Eduardo Jacques
Direcção e ensaio: Álvaro Benamor
Intérpretes (e personagens): Canto e Castro (Filodemo), João Mota (Vilardo, seu moço), Maria José (Solina, moça de Dionisa), Assis Pacheco (Dom Lusidardo, pai de Venadoro e de Dionisa), João Perry (Venadoro), António Anjos (Monteiro de Venadoro), Carmen Dolores (Dionisa), Santos Gomes (Um pastor), Irene Cruz (Florimena, pastora e irmã de Filodemo)
Assistência técnica: Clídio de Carvalho
Realização: Castela Esteves.



OS GRANDES EPISÓDIOS DE "OS LUSÍADAS"

Ep. 1Camões e D. Sebastião | 16 Out. 1972 [>> RTP-Arquivos] [excertos do Canto I e do Canto X]
Adaptação e comentários críticos: Adolfo Simões Müller
Direcção artística: Álvaro Benamor
Locução: Paulo Renato e Carmen Dolores
Intérpretes (e personagens): Varela Silva (Frei Bartolomeu Ferreira, censor d' "Os Lusíadas"), Canto e Castro (Luís de Camões), Manuel Correia (aio do rei D. Sebastião), Rui Mendes (Rei D. Sebastião)
Registo de som: Leonel da Silva
Realização: Jorge Alves

Ep. 2A Reunião dos Deuses | 19 Out. 1972 [>> RTP-Arquivos] [excertos do Canto I e do Canto II]
Adaptação e comentários críticos: Adolfo Simões Müller
Direcção artística: Álvaro Benamor
Locução: Paulo Renato e Carmen Dolores
Intérpretes (e personagens): Canto e Castro (Luís de Camões), Ruy de Carvalho (Júpiter), Joaquim Rosa (Marte), Manuela Machado (Vénus)
Registo de som: Leonel da Silva
Realização: Jorge Alves

Ep. 3Linda Inês | 23 Out. 1972 [>> RTP-Arquivos] [excertos do Canto III]
Adaptação e comentários críticos: Adolfo Simões Müller
Direcção artística: Álvaro Benamor
Locução: Paulo Renato e Carmen Dolores
Intérpretes (e personagens): Carmen Dolores, Manuela Cassola, Irene Cruz, Ermelinda Duarte, Catarina Avelar (Inês de Castro)
Registo de som: Leonel da Silva
Realização: Jorge Alves

Ep. 4A Batalha de Aljubarrota | 26 Out. 1972 [>> RTP-Arquivos] [excertos do Canto IV e do Canto VIII]
Adaptação e comentários críticos: Adolfo Simões Müller
Direcção artística: Álvaro Benamor
Locução: Paulo Renato e Carmen Dolores
Intérpretes (e personagens): Paulo Renato (Vasco da Gama narrando ao Rei de Melinde o episódio da Batalha de Aljubarrota), Mário Pereira (Condestável Nuno Álvares Pereira), ? (Joane, Mestre de Avis)
Registo de som: Leonel da Silva
Realização: Jorge Alves

Ep. 5O Velho do Restelo | 30 Out. 1972 [>> RTP-Arquivos] [excerto do Canto IV]
Adaptação e comentários críticos: Adolfo Simões Müller
Direcção artística: Álvaro Benamor
Locução: Paulo Renato e Carmen Dolores
Intérpretes (e personagens): Varela Silva (Vasco da Gama narrando ao Rei de Melinde a partida das naus da praia de Belém), Adelaide João (Uma mãe), Ana Paula ? (Uma esposa), Assis Pacheco (O Velho do Restelo)
Registo de som: Leonel da Silva
Realização: Jorge Alves

Ep. 6Os Doze de Inglaterra | 2 Nov. 1972 [>> RTP-Arquivos] [excertos do Canto V e do Canto VI]
Adaptação e comentários críticos: Adolfo Simões Müller
Direcção artística: Álvaro Benamor
Locução: Paulo Renato e Carmen Dolores
Intérpretes (e personagens): Varela Silva (Vasco da Gama contando ao Rei de Melinde um feito desventuroso de Fernão Veloso), João Lourenço ? (Um companheiro de Fernão Veloso), Rui Represas (Fernão Veloso / narrador do episódio d' Os Doze de Inglaterra), Carmen Dolores, Pedro Pinheiro (Leonardo), ? (Duque de Alencastro), Jacinto Ramos (Álvaro Gonçalves Coutinho, o Magriço)
Registo de som: Leonel da Silva
Realização: Jorge Alves

Ep. 7Ainda a Intriga das Divindades | 6 Nov. 1972 [>> RTP-Arquivos] [excertos do Canto VI, do Canto VIII e do Canto IX]
Adaptação e comentários críticos: Adolfo Simões Müller
Direcção artística: Álvaro Benamor
Locução: Paulo Renato e Carmen Dolores
Intérpretes (e personagens): Manuel Correia (Baco), Carmen Dolores, Manuela Maria ? (Orítia), Tomaz de Macedo ? (piloto Melindano), Manuela Machado (Vénus), Rui Represas (Fernão Veloso), Pedro Pinheiro (Leonardo)
Registo de som: Leonel da Silva
Realização: Jorge Alves

Ep. 8O Gigante Adamastor | 9 Nov. 1972 [>> RTP-Arquivos] [excertos do Canto V]
Adaptação e comentários críticos: Adolfo Simões Müller
Direcção artística: Álvaro Benamor
Locução: Paulo Renato e Carmen Dolores
Intérpretes (e personagens): Varela Silva (Vasco da Gama contando ao Rei de Melinde o encontro com o Gigante Adamastor), Ruy Ferrão (Gigante Adamastor), Madalena Braga (Tétis, filha de Dóris e de Nereu)
Registo de som: Leonel da Silva
Realização: Jorge Alves

Ep. 9Coisas do Mar | 13 Nov. 1972 [>> RTP-Arquivos] [excertos do Canto V e do Canto VI]
Adaptação e comentários críticos: Adolfo Simões Müller
Direcção artística: Álvaro Benamor
Locução: Paulo Renato
Intérpretes (e personagens): Varela Silva (Vasco da Gama descrevendo ao Rei de Melinde o Fogo-de-Santelmo e a Tromba Marítima, a chegada à Angra de Santa Helena, o escorbuto), Carmen Dolores, ? (mestre de uma nau)
Registo de som: Leonel da Silva
Realização: Jorge Alves

Ep. 10A Ilha dos Amores | 16 Nov. 1972 [>> RTP-Arquivos] [excertos do Canto IX e do Canto X]
Adaptação e comentários críticos: Adolfo Simões Müller
Direcção artística: Álvaro Benamor
Locução: Paulo Renato e Carmen Dolores
Intérpretes (e personagens): Carmen Dolores, Irene Cruz (Uma ninfa), ? (Outra ninfa), Manuela Machado (Vénus), Canto e Castro (Luís de Camões)
Registo de som: Leonel da Silva
Realização: Jorge Alves



Amor é um fogo que arde sem se ver



Poema (soneto) de Luís de Camões (in "Rimas", org. Estêvão Lopes, Lisboa, 1598; "Obras de Luís de Camões", Porto: Lello & Irmão Editores, 1970 – p. 45)
Recitado por João Grosso, Carmen Dolores*, Maria Barroso, Vítor Nobre e José Manuel Mondes (in CD "Amor É Fogo: Poemas de Luís de Camões", Série "Festa da Língua Portuguesa", Vol. III, Câmara Municipal de Sintra/Instituto Camões, 2001)
Música de fundo: Wolfgang Amadeus Mozart, Concerto para flauta, harpa e orquestra, em dó maior, K. 299 - II. Andantino, por Kenneth Smith (flauta) e Bryn Lewis (harpa), Philharmonia Orchestra, dir. Giuseppe Sinopoli (Deutsche Grammophon, 1993)


Amor é um fogo que arde sem se ver,
é ferida que dói, e não se sente;
é um contentamento descontente;
é dor que desatina sem doer.

É um não querer mais que bem querer;
é um andar solitário entre a gente;
é um nunca contentar-se de contente;
é um cuidar que ganha em se perder.

É querer estar preso por vontade;
é servir a quem vence, o vencedor;
é ter com quem nos mata, lealdade.

Mas como causar pode seu favor
nos corações humanos amizade,
se tão contrário a si é o mesmo Amor?


* Carmen Dolores, João Grosso, José Manuel Mondes, Maria Barroso e Vítor Nobre – vozes
Gravado nos Estúdios da RDP, Lisboa, em Fevereiro de 2001
Produção digital – José Silva



Saudade minha



Poema (vilancete em redondilha menor) de Luís de Camões (in "Rimas", org. Fernão Rodrigues Lobo Soropita, Lisboa, 1595; "Obras de Luís de Camões", Porto: Lello & Irmão Editores, 1970 – p. 782-783)
Recitado por Carmen Dolores* (in CD "Amor É Fogo: Poemas de Luís de Camões", Série "Festa da Língua Portuguesa", Vol. III, Câmara Municipal de Sintra/Instituto Camões, 2001)
Música de fundo: Wolfgang Amadeus Mozart, Serenata N.º 7, em ré maior, K. 250, "Haffner": II. Andante, por Camerata Academica des Mozarteums Salzburg, dir. Sándor Végh (Capriccio, 1990)


          MOTE ALHEIO

Saudade minha,
quando vos veria?

          VOLTAS

Este tempo vão,
esta vida escassa,
para todos passa,
só para mim não.
Os dias se vão
sem ver este dia
quando vos veria.

Vede esta mudança
se está bem perdida:
e em tão curta vida
tão longa esperança!
Se este bem se alcança,
tudo sofreria,
quando vos veria.

Saudosa dor,
eu bem vos entendo;
mas não me defendo,
porque ofendo Amor.
Se fôsseis maior,
em maior valia
vos estimaria.



Quem diz que Amor é falso ou enganoso



Poema (soneto) de Luís de Camões (in "Rimas", org. Manuel de Faria e Sousa, Lisboa, 1685; "Obras de Luís de Camões", Porto: Lello & Irmão Editores, 1970 – p. 128)
Recitado por Carmen Dolores* (in CD "Amor É Fogo: Poemas de Luís de Camões", Série "Festa da Língua Portuguesa", Vol. III, Câmara Municipal de Sintra/Instituto Camões, 2001)
Música de fundo: Auguste Franchomme, Capricho em mi menor, Op. 7, N.º 2: Andante, por Anner Bylsma & Kenneth Slowik (violoncelos) (Sony Classical, 1994)


Quem diz que Amor é falso ou enganoso,
ligeiro, ingrato, vão, desconhecido,
sem falta lhe terá bem merecido
que lhe seja cruel ou rigoroso.

Amor é brando, é doce e é piadoso.
Quem o contrário diz não seja crido;
seja por cego e apaixonado tido,
e aos homens, e inda aos deuses, odioso.

Se males faz Amor, em mim se vêem;
em mim mostrando todo o seu rigor,
ao mundo quis mostrar quanto podia.

Mas todas suas iras são de amor;
todos estes seus males são um bem,
que eu por todo outro bem não trocaria.



Tomou-me vossa vista soberana



Poema (soneto) de Luís de Camões (in "Rimas", org. Fernão Rodrigues Lobo Soropita, Lisboa, 1595; "Obras de Luís de Camões", Porto: Lello & Irmão Editores, 1970 – p. 18)
Recitado por Carmen Dolores* (in CD "Amor É Fogo: Poemas de Luís de Camões", Série "Festa da Língua Portuguesa", Vol. III, Câmara Municipal de Sintra/Instituto Camões, 2001)
Música de fundo: Auguste Franchomme, Grande Valsa, Op. 34: Introducão. Largo - Allegro, por Anner Bylsma, L'Archibudelli & Smithsonian Chamber Players (Sony Classical, 1994)


Tomou-me vossa vista soberana
adonde tinha as armas mais à mão,
por mostrar que quem busca defensão
contra esses belos olhos, que se engana.

Por ficar da vitória mais ufana,
deixou-me armar primeiro da Razão;
cuidei de me salvar, mas foi em vão,
que contra o Céu não val defensa humana.

Mas porém se vos tinha prometido
o vosso alto destino esta vitória,
ser-vos tudo bem pouco está sabido;

que, posto que estivesse apercebido,
não levais de vencer-me grande glória:
maior a levo eu de ser vencido.



Alma minha gentil, que te partiste



Poema (soneto) de Luís de Camões (in "Rimas", org. Fernão Rodrigues Lobo Soropita, Lisboa, 1595; "Obras de Luís de Camões", Porto: Lello & Irmão Editores, 1970 – p. 9)
Recitado por Carmen Dolores* (in CD "Amor É Fogo: Poemas de Luís de Camões", Série "Festa da Língua Portuguesa", Vol. III, Câmara Municipal de Sintra/Instituto Camões, 2001)
Música de fundo: Robert Schumann, Kinderszenen ('Cenas Infantis'), Op. 15: Träumerei, por Mischa Maisky (violoncelo) e Pavel Gililov (piano) (Deutsche Grammophon, 1990)


Alma minha gentil, que te partiste
tão cedo desta vida, descontente,
repousa lá no Céu eternamente,
e viva eu cá na Terra sempre triste.

Se lá no assento etéreo, onde subiste,
memória desta vida se consente,
não te esqueças daquele amor ardente
que já nos olhos meus tão puro viste.

E se vires que pode merecer-te
alguma cousa a dor que me ficou
da mágoa, sem remédio, de perder-te,

roga a Deus, que teus anos encurtou,
que tão cedo de cá me leve a ver-te,
quão cedo de meus olhos te levou.



Busque Amor novas artes, novo engenho



Poema (soneto) de Luís de Camões (in "Rimas", org. Fernão Rodrigues Lobo Soropita, Lisboa, 1595; "Obras de Luís de Camões", Porto: Lello & Irmão Editores, 1970 – p. 7)
Recitado por Carmen Dolores* (in CD "Amor É Fogo: Poemas de Luís de Camões", Série "Festa da Língua Portuguesa", Vol. III, Câmara Municipal de Sintra/Instituto Camões, 2001)
Música de fundo: Johann Sebastian Bach, Partita para violino solo N.º 2, em ré menor, BWV 1004: Chaconne - Transcrição para orquestra: Hideo Saito, por Boston Symphony Orchestra, dir. Seiji Ozawa (Universal International Music, 1992)


Busque Amor novas artes, novo engenho
para matar-me, e novas esquivanças;
que não pode tirar-me as esperanças,
que mal me tirará o que eu não tenho.

Olhai de que esperanças me mantenho!
Vede que perigosas seguranças!
Que não temo contrastes nem mudanças,
andando em bravo mar, perdido o lenho.

Mas, conquanto não pode haver desgosto
onde esperança falta, lá me esconde
Amor um mal, que mata e não se vê.

Que dias há que na alma me tem posto
um não sei quê, que nasce não sei onde,
vem não sei como, e dói não sei porquê.


Notas:
Esquivanças – manobras
Perigosas – efémeras
Contrastes – contrariedades
Lenho – barco



A fermosura desta fresca serra



Poema (soneto) de Luís de Camões (in "Rimas", org. Dom António Álvares da Cunha, Lisboa, 1668; "Obras de Luís de Camões", Porto: Lello & Irmão Editores, 1970 – p. 99)
Recitado por Carmen Dolores* (in CD "Amor É Fogo: Poemas de Luís de Camões", Série "Festa da Língua Portuguesa", Vol. III, Câmara Municipal de Sintra/Instituto Camões, 2001)
Música de fundo: Robert Godard [?]


A fermosura desta fresca serra
e a sombra dos verdes castanheiros,
o manso caminhar destes ribeiros,
donde toda a tristeza se desterra;

o rouco som do mar, a estranha terra,
o esconder do Sol pelos outeiros,
o recolher dos gados derradeiros,
das nuvens pelo ar a branda guerra;

enfim, tudo o que a rara Natureza
com tanta variedade nos of'rece,
me está, se não te vejo, magoando.

Sem ti, tudo me enoja e me aborrece;
sem ti, perpetuamente estou passando,
nas mores alegrias, mor tristeza.


* Carmen Dolores – voz
Gravado nos Estúdios da RDP, Lisboa, em Fevereiro de 2001
Produção digital – José Silva
URL: http://cvc.instituto-camoes.pt/teatro-em-portugal-pessoas/carmen-dolores-dp6.html
https://visao.pt/jornaldeletras/2021-02-19-a-autobiografia-de-carmen-dolores/
https://espalhafactos.com/2014/12/30/boca-de-cena-4-carmen-dolores/
https://revistas.rcaap.pt/sdc/article/view/12691/9790
https://www.dn.pt/cultura/gostava-de-ter-feito-revista-mas-nunca-me-convidaram-8707527.html/
https://antena2.rtp.pt/em-antena/cultura/carmen-dolores/
https://arquivos.rtp.pt/conteudos/entrevista-a-carmen-dolores-3/
https://arquivos.rtp.pt/conteudos/entrevista-a-carmen-dolores/




Frontispício da 1.ª edição d' "Os Lusíadas", de Luís de Camões (Impressos em Lisboa: em casa de Antonio Gõçaluez Impressor, 1572)




Frontispício da 1.ª edição das "Rimas", de Luís de Camões, org. Fernão Rodrigues Lobo Soropita (Lisboa, 1595)




Capa do CD "Amor É Fogo: Poemas de Luís de Camões", de Carmen Dolores, João Grosso, José Manuel Mondes, Maria Barroso e Vítor Nobre (Série "Festa da Língua Portuguesa", Vol. III, Câmara Municipal de Sintra/Instituto Camões, 2001)


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Outros artigos com poesia ou teatro de Luís de Camões:
Camões recitado e cantado
Camões recitado e cantado (II)
Em memória de Manoel de Oliveira (1908-2015)
Camões recitado e cantado (III)
Camões recitado e cantado (IV)
Camões recitado e cantado (V)
Camões recitado e cantado (VI)
Camões recitado e cantado (VII)
Camões recitado e cantado (VIII)
Camões recitado e cantado (IX)
Luís de Camões: "Os Lusíadas" (dois excertos), por Carlos Wallenstein
Luís Cília: "Se me Levam Águas" (Luís de Camões)
Teatro camoniano em versão radiofónica

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Outros artigos com registos na voz de Carmen Dolores (poesia e/ou teatro radiofónico):
Galeria da Música Portuguesa: Carlos Paredes
Sebastião da Gama: "Poesia", por Carmen Dolores
Celebrando Sophia de Mello Breyner Andresen
"Ecos da Ribalta": homenagem a Carmen Dolores
Mário Dionísio: "Solidariedade", por Carmen Dolores
Luiza Todi por Carmen Dolores segundo Margarida Lisboa
"Ecos da Ribalta": homenagem a Eunice Muñoz
Teatro camoniano em versão radiofónica

27 março 2024

Teatro camoniano em versão radiofónica


Camões, por André Letria, ilustração da capa do livro "Barbi-Ruivo: O Meu Primeiro Camões", de Manuel Alegre (Publicações Dom Quixote, Dez. 2007)


A HERANÇA VICENTINA

Por: Luiz Francisco Rebello



A crítica oitocentista, na esteira de Teófilo Braga, agrupou sob a designação de «escola vicentina» aqueles autores que, refractários à influência da estética renascentista, se mantiveram fiéis às formas tradicionais do auto vicentino. É, no entanto, duvidoso que, em rigor, de «escola» se possa falar, ainda que muitos dos seus contemporâneos por modelo o hajam tomado, embora nenhum o haja excedido, ou sequer igualado: como disse Jorge de Sena, foi «menos uma escola que uma formulação epocal do gosto teatral». A maioria dos que se tem dito serem seus discípulos limitaram-se a uma fruste imitação que, em muitos casos, chegou a raiar as fronteiras do plágio. E raros foram os depositários da herança vicentina que souberam enriquecê-la e acrescentá-la, contentando-se quase todos com repeti-la. Mas, repetindo-a, esvaziaram-na do seu conteúdo polémico (ao que a Inquisição, é certo, não terá sido estranha) e até da sua teatralidade. As obras que integram a chamada «escola vicentina» acusam assim uma nítida regressão relativamente ao seu protótipo: a acção dramática dilui-se numa sucessão mera de diálogos estereotipados e num desfile de personagens que apenas o capricho do autor reúne; e essas personagens perdem a sua individualidade própria até se converterem em tipos que transitam, imutáveis e idênticos, de auto para auto, designados por um nome genérico (o fidalgo, o escudeiro, a regateira, o dono de casa, a negra, o ratinho)... Permanece, mais acentuada, a distinção entre um teatro de inspiração profana — mais acentuada porque, excepto em um ou dois casos, os cultores de um dos géneros não cultivaram o outro. Simplesmente, enquanto na obra vicentina as moralidades ocupam, entre os autos religiosos, quer pelo número, quer pelo grau de perfeição artística a que o autor as elevou, o lugar predominante, na obra dos seus epígonos são os autos baseados na vida dos santos (de que, em Gil Vicente, se depara um único exemplo no breve Auto de São Martinho) que preenchem esse lugar. E, escusado seria aditar, a veemência crítica e a densidade dramática dos autos vicentinos cedem aqui o passo a uma intenção declaradamente apologética, que não só respeita como toma a defesa explícita das hierarquias eclesiásticas. Por tudo isto foi que pôde Carolina Michaëlis de Vasconcelos dizer que «longe de serem verdadeiros continuadores que aperfeiçoassem, diferenciassem, acrisolassem os elementos heterogéneos da obra vicentina, os seus sucessores imobilizaram o auto, quanto à forma; e, quanto aos assuntos e à essência, rebaixaram-no, banalizaram-no, tirando-lhe as arestas e os espinhos pungentes da crítica social e pessoal, mas também os trechos líricos e os voos aos astros».

[...]

                                                   Autos profanos

Quanto às farsas e comédias, se é certo que a quantidade não diminui (no século XVIII assistir-se-á a uma verdadeira inflação destas duas espécies), o mesmo não pode já dizer-se quanto à qualidade. Mas o facto de nenhum dos comediógrafos posteriores a Gil Vicente ter alcançado a craveira deste, não significa, claro está, que todos eles mereçam, indiscriminadamente, o esquecimento definitivo. Nomes como os de António Ribeiro Chiado e, sobretudo, Camões e António Prestes devem recordar-se com interesse, pelos vários aspectos positivos da sua obra, ainda hoje susceptível de encontrar audiência.
ANTÓNIO RIBEIRO CHIADO, «bargante, dizedor, poeta», nascido nos arredores de Évora e falecido em Lisboa no ano de 1591, depois de uma vida dissoluta que o levou do convento à cadeia, deixou, além de alguns textos menores, quase todos de tipo aforístico, cinco composições teatrais, de que apenas se conservam quatro: as Práticas de Oito Figuras e dos Compadres e os Autos das Regateiras e da Natural Invenção. (O auto que se perdeu intitulava-se Auto de Gonçalo Chambão, e dele há notícia de três edições entre 1613 e 1630.) É muito débil a estrutura dramática de todos eles, simples pretextos para uma sucessão de diálogos (ou «práticas») que as várias personagens travam entre si. Mas nessa limitação — em que, talvez com excesso de boa vontade, já se quis ver «uma consciente opção estilística» — reside, precisamente, o seu maior atractivo: através de rixas conjugais, de discussões familiares, de brigas de vizinhos, que se esteiam numa linguagem de um realismo coloquial por vezes cru, mas sempre colorido e pitoresco, é a fauna dos bairros pobres da cidade, da beira-rio, das tabernas e dos mercados lisboetas, que nos seus autos pulula e aparece expressivamente caracterizada. Ao mesmo tempo, um dos seus autos — o da Natural Invenção, que Chiado teria escrito à volta de 1550 —, de concepção curiosamente pirandelliana (seu tema é a representação de um auto em casa de um fidalgo, a qual nunca chega a concluir-se, interrompida e adiada como vem a ser, a cada passo, por toda a sorte de incidentes), dá-nos valiosas notícias acerca da praxis teatral na sociedade portuguesa da segunda metade de Quinhentos. Por ele — como aliás também pelo prólogo do Auto d'El-Rei Seleuco, de Camões, ou pelo anónimo Auto dos Sátiros — ficamos a saber da existência de companhias ambulantes, que, transportando em canastras os seus adereços e guarda-roupa, representavam em casas particulares as comédias do seu repertório, a troco de alguns cruzados. Assim como saiu da igreja, o teatro sai da corte e vai ganhando, pouco a pouco, o seu espaço próprio na cidade.
A delicada sensibilidade poética de ANTÓNIO PRESTES, que foi seu contemporâneo, e de quem apenas se sabe que nasceu em Torres Vedras, exerceu em Santarém as funções de inquiridor do cível e residia por 1565 em Lisboa, contrasta com a veia chocarreira de Chiado, embora um e outro recolham a herança vicentina no que respeita à forma do auto popular. As sete composições de sua autoria que chegaram até nós, todas elas incluídas num volume colectivo de «autos e comédias portuguesas» impresso em Lisboa em 1587, compreendem uma espécie de auto sacramental, o Auto da Ave-Maria, a que já fizemos referência, e seis autos de um realismo doméstico, que por vezes se é quase tentado a classificar de burguês, mas que todavia não exclui uma crítica subtil dos costumes e das instituições (os autos do Procurador, do Desembargador, dos Dois Irmãos, da Ciosa, do Mouro Encantado e das Cantarinhas). Mas se a forma destes autos é vicentina — ele próprio, na «representação» ou prólogo que antecede o Auto dos Dois Irmãos, critica os que «seguem Ariosto italiano, imitam Petrarca, lêem Sannazaro, escrevem Garcilaso, para com estes zombarem de nós outros, autores formigueiros» de autos a que, ironicamente, chama «coscorões», isto é, cozinhados com os tradicionais ingredientes domésticos —, o espírito e, em vários passos, o estilo anunciam, discretamente, o conceptismo seiscentista. Seria talvez por isso que um dos engenhos mais argutos do século XVII, D. Francisco Manuel de Mello, que foi também dramaturgo, admitiu no seu Hospital das Letras que Prestes se tivesse «avantajado» ao próprio Gil Vicente. Juízo que, evidentemente, ninguém hoje perfilha mas que justificaria uma atenção mais interessada pela obra do que é, sem dúvida, o mais dotado e mais original de entre os sucessores do autor das Barcas.
Na mesma colectânea em que foram publicados os autos de Prestes incluíam-se cinco composições teatrais de autoria diversa: o Auto do Físico, de JERÓNIMO RIBEIRO, a Cena Policiana, de HENRIQUE LOPES, O Auto de Rodrigo e Mendo, de JORGE PINTO, os Anfitriões e o Filodemo, de LUÍS DE CAMÕES. Deixemos estes dois últimos para um exame ulterior e salientemos, dos restantes, o Auto do Físico, pelo maior equilíbrio da sua construção, que habilmente combina uma intriga amorosa (a que não terá sido estranha a leitura da Celestina) com a pintura, em segundo plano, dos usos e costumes da burguesia lisboeta na segunda metade do século XVI. Nos autos de Henrique Lopes e Jorge Pinto, como em vários outros textos seus contemporâneos, tais o Auto dos Dois Ladrões, de Frei ANTÓNIO DE LISBOA, a Farsa Penada e o Auto das Capelas, ambos anónimos, avulta o retrato de uma personagem que bem pode considerar-se arquetípica de uma condição nacional comum a todas as épocas da História Pátria: o fidalgo pobre, «que não tem renda nem nada / [mas] quer ter muitos aparatos», como se diz na vicentina Farsa dos Almocreves, e que vem das cantigas medievais de escárnio e maldizer, atravessa todo o teatro cómico de Gil Vicente, ressurge no século XVII nos autos de Francisco Rodrigues Lobo e D. Francisco Manuel de Mello e vai alimentar grande parte do teatro de cordel setecentista.
É ainda a Gil Vicente, aos seus autos romanescos a que as novelas de cavalaria serviram de matriz inspiradora, que se reconduzem o Auto de Florença, do frade músico JOÃO DE ESCOBAR (representado na corte do rei D. Sebastião em 1561), o já citado Auto da Bela Menina, de SEBASTIÃO PIRES, e os anónimos Autos dos Cativos, também denominado de D. Luís e dos Turcos, impresso em 1572, de D. André e da Donzela da Torre (todos atribuídos, sem fundamentos sérios, a um neto de Gil Vicente), dos Sátiros, do Duque de Florença, de D. Fernando e de Florisbel. Como eles anónimo, o engenhoso Auto de Vicenteanes Joeira aproxima-se, pela classe social e a linguagem das personagens, das «práticas» do Chiado.
Um lugar à parte ocupa o teatro de LUÍS DE CAMÕES (1524?-1580), limitado a três peças — o Auto dos Anfitriões e o Filodemo, que figuram na já citada colectânea de 1587, juntamente com os autos de Prestes, e o Auto d'El-Rei Seleuco, postumamente publicado em 1645, na 1.ª parte da suas Rimas. Com efeito, se o esquema estrófico e métrico nelas geralmente adoptado e se a linguagem falada por algumas das suas personagens, em particular as de extracção humilde, se situam na zona de influência vicentina, o seu espírito é acentuadamente renascentista, não só pela escolha dos temas e a dialéctica sentimental a que a sua reelaboração dramática obedece, como pela mensagem, que transmite, de que a Natureza é mais forte que a vontade dos deuses e as convenções sociais. Justamente observou, por isso, Teófilo Braga que a «superior capacidade estética» de Camões o levou a «conciliar os dois espíritos da Idade Média e da Renascença, pelo modo como aliou as formas populares do auto, fixadas por Gil Vicente, com os temas mitológicos imitados dos escritores greco-romanos». Todavia, o teatro exerceu nele apenas uma juvenil e efémera atracção, o que não lhe terá permitido atingir o equilíbrio desejável entre essas duas tendências, nem a altura a que se elevou com as suas líricas e a sua epopeia.
Escritos de 1542 para 1555, os autos de Camões situam-se no alvor da sua vida literária. Os Anfitriões datam, ao que se crê, dos seus anos de estudante da Universidade de Coimbra, cujos estatutos postulavam a representação anual obrigatória de uma comédia de Plauto ou Terêncio. Tais representações tê-lo-iam levado a eleger o tema de uma das mais célebres comédias plautinas, que dois séculos depois inspirou a António José da Silva uma das suas «óperas» e de que, outros dois séculos volvidos, Giraudoux afirmaria ter escrito a 38.ª versão. Uma narração de Plutarco (que Camões teria conhecido através da referência que lhe é feita no Espelho de Casados, de João de Barros, impresso em 1540), e talvez os Trionfi, de Petrarca, estão por sua vez na base do Rei Seleuco, representado em Lisboa entre 1542 e 1549, em casa de um fidalgo da corte de D. João III. Quanto ao Filodemo, que se sabe ter sido levado à cena na Índia, em 1555, por ocasião das cerimónias de investidura do governador Francisco Barreto, é uma comédia romanesca que tanto evoca a Rubena, de Gil Vicente, como a Celestina, de Rojas, e precede os dramas pastoris italianos de Tasso e Guarini, ou, entre nós, a Pastora Alfeia, de Simão Machado. De estrutura mais complexa que as suas antecessoras, nos seus cinco actos contesta-se subtilmente o «regimento do mundo» e opõe-se ao amor contemplativo o amor «pela activa», que zomba das hierarquias e dos preconceitos — ao mesmo tempo que por eles fluentemente circula aquele admirável lirismo que impregna toda a obra do maior poeta de que a História da Literatura Portuguesa se ufana.

(in "História do Teatro Português", 4. edição, revista e ampliada, Col. Saber, vol. 68, Mira-Sintra: Publicações Europa-América, 1989 – p. 44-45 e 49-53)



O TEATRO CLÁSSICO: OSCILAÇÕES DO TEXTO E DO ESPECTÁCULO

Por: Duarte Ivo Cruz



                                 O introdutor: Sá de Miranda

O Renascimento português e os seus prolongamentos até ao início do século XVIII marcaram uma evolução do classicismo que, no teatro, nos surge irregular, desigual na qualidade e, sobretudo, extremamente errático na maior ou menor ortodoxia de escola. Desde logo, não é de mais repetir a influência de Gil Vicente, a permanência da sua força e o alcance da sua voz: as referências a Camões e a António Prestes, entre outros, eloquentemente ilustram esta afirmação.
De qualquer maneira, porém, a evolução histórica e estética é irreversível, e a mentalidade da Renascença acaba por influenciar o hesitante teatro português. Vimos já como os ecos do novo ritmo se fazem sentir nos autos profanos da retardada Escola Vicentina. Pois veremos agora a ostensiva afirmação desses métodos, feita por Sá de Miranda, com o quase ingénuo entusiasmo dos teorizadores.
A partir daqui, e durante cerca de dois séculos, verifica-se uma evolução modernizante e tendencialmente erudita, mas, não é demais repeti-lo, profundamente desigual no plano estilístico, no plano da qualidade e da produção de textos e espectáculos. Daí, um registo vasto e heterogéneo, que culminará pelo menos até ao Barroco, e onde se destacam sobretudo Sá de Miranda, como introdutor, Camões e António Ferreira.
[...]

                                       Camões ou o hibridismo

O teatro de Luís de Camões (1524-1580) tem sido «prejudicado» pela projecção ímpar da épica e da lírica. Bem sabemos que os três autos camonianos ficam aquém daqueles valores ultra-excepcionais. Mas, de qualquer forma, não podemos também ignorar o vigor, a frescura, a graça de tantas passagens, a qualidade teatral e sobretudo literária da dramaturgia de Camões.
Em particular, importa lembrar os aspectos de transição, aliás já aludidos. Refere Teófilo Braga «a superior capacidade estética de Camões, conciliando os dois espíritos da Idade Média e da Renascença, pelo modo como alia as formas populares do auto, fixadas por Gil Vicente, com os temas mitológicos imitados dos escritores grego-romanos».
Assim é, na verdade: e a natural conciliação da alegre métrica vicentina com o voo sublime que a lírica de Camões imortaliza, dá origem a um dos mais curiosos aspectos desta breve obra teatral.
É questionável a razão do descaso de Camões pelo teatro. Na verdade, aquele espírito irrequieto, extremamente criativo e aventuroso, desbravador de tantas sendas secretas do nosso idioma, da nossa cultura e da nossa arte, só se fixou no teatro em três momentos fogosos e descontínuos.
Assim, temos o Auto dos Enfatriões ou Anfitriões que tudo indica ter sido criado e representado no contexto curricular da Universidade, pois os estudos superiores obrigavam a representação anual de um clássico. Pode-se, portanto, situar a sua criação ao longo da década de 1540-1550, e a representação no quadro universitário.
O Auto de El-Rei Seleuco foi representado entre 1543 e 1549, e o próprio contexto da peça, com a curiosa simulação de teatro dentro do teatro, revela-nos onde se concretizou a representação — em casa de Estácio da Fonseca, Cavaleiro Fidalgo de D. João III, almoxarife e recebedor das aposentadorias da corte.
E, finalmente, sabe-se que o Auto de Filodemo foi representado na Índia, por ocasião dos festejos da investidura do governador Francisco Barreto, o que atira a data de criação para 1555. Já que a data do nascimento de Camões se situa provavelmente em torno de 1524, temos que o teatro só o interessaria na juventude: mas, curiosamente, surge esporádico em três fases muito características da vida aventurosa e agitada de Camões — estudante, cortesão, funcionário na Índia.
De qualquer forma, a análise do teatro camoniano começa a ganhar interesse a partir do momento em que se descobrem alguns sinais do seu sopro criador e das características do próprio teatro que se fazia em Portugal no século XVI.
Do ponto de vista do espectáculo, as cenas introdutórias do Seleuco que adiante recordaremos e cruzaremos com cenas semelhantes de um auto de António Ribeiro Chiado, dão luz aos hábitos da época, ao menos na expressão cortesã: amigos que se juntam para celebrar umas bodas, e assistem, em casa de um deles, à representação de um «Auto com grande fogueira».
O teatro de Camões guarda simultaneamente factores da tradição medieval portuguesa, que comodamente apelidamos de escolas vicentinas (apesar de remontar a séculos atrás), e factores da renovação renascentista de linguagem e de concepção cénica, que Sá de Miranda introduziu em Portugal. Constituiu uma pequena mas pujante dramaturgia-síntese.
Trata-se de uma assimilação muito inteligente — e não é demais insistir na grande inteligência de Camões — de dois mundos culturais que coexistiram, na área teatral, com grande impacto. De tal forma que, no seu tempo, eram ambos modernos — e ainda hoje, em rigor, o são, quando chegam até nós marcados pelo talento.
[...]

(in "História do Teatro Português", Lisboa: Editorial Verbo, 2001 – p. 51 e 55-56)


Prosseguindo a celebração camoniana, neste ano do quinto centenário do nascimento do maior vulto das Letras Portuguesas, o presente Dia Mundial do Teatro afigura-se a oportunidade perfeita para darmos enfoque às adaptações (integrais e parcelares) dos três autos conhecidos que em boa hora se fizeram para a rádio pública. Fazemo-lo reunindo nesta página as fichas artísticas/técnicas de cada uma dessas produções juntamente com os links de acesso directo à plataforma RTP-Arquivos onde foram recentemente disponibilizados os fonogramas respectivos. Um património precioso que importa fruir, em escuta atenta, pois não é pequeno o deleite intelectual que tal experiência proporciona. Registos que testemunham, cabal e perfeitamente, como o teatro puramente sonoro é o que melhor serve e valoriza os grandes textos dramáticos, desde que – obviamente – se utilize capital humano de primeira categoria, como foi o caso do que participou nas versões apresentadas. Citamos alguns nomes (por ordem alfabética): Álvaro Benamor, Alves da Costa, Ana Paula, Ângela Ribeiro, Arminda Taveira, Assis Pacheco, Branco Alves, Canto e Castro, Carlos Cabral, Carmen Dolores, Catarina Avelar, Costa Ferreira, Gina Santos, Henriqueta Maia, Hermínia Tojal, Igor Sampaio, Irene Cruz, João Lourenço, João Mota, Jorge de Sousa Costa, Luís Santos, Madalena Braga, Manuel Coelho, Manuel Lereno, Maria Dulce, Maria José, Mário Pereira, Mário Sargedas, Paulo Renato, Pedro Lemos, Ruy de Carvalho, Ruy Furtado, Varela Silva...
Em vez da apresentação cronológica indiferenciada das várias produções, entendemos que seria preferível agrupá-las pelos títulos, colocando no início as que têm índole mais didáctica, feitas para os programas "Teatro de Todos os Tempos" e "História do Teatro Português", da autoria, respectivamente, de Eurico Lisboa (Filho) e de Duarte Ivo Cruz.
Boas audições camonianas!


HISTÓRIA DO TEATRO PORTUGUÊS | 13 Jul. 1972 [>> RTP-Arquivos]
Auto de Filodemo e Auto dos Anfitriões (excertos), de Luís de Camões
Adaptação e comentários críticos: Duarte Ivo Cruz
Direcção: Manuel Lereno
Intérpretes (e personagens): [AUTO DE FILODEMO] Canto e Castro (Filodemo), Ana Paula (Dionisa); [AUTO DOS ANFITRIÕES] Ana Paula (Almena, mulher de Anfitrião), Irene Cruz (Brómia, sua criada), Varela Silva (Feliseu), Canto e Castro (Júpiter), João Lourenço (Mercúrio), João Perry (Sósia, moço de Anfitrião), Mário Pereira (Anfitrião), Jorge Vale (Belferrão, patrão)
Narração: Maria Natália Bispo e Gustavo Rosa
Assistência técnica: Justiniano Vargues
Realização: José Ribeiro.


TEATRO DAS COMÉDIAS | 11 Jun. 1967 [>> RTP-Arquivos]
Auto Chamado dos Anfitriões, de Luís de Camões [>> texto integral]
Adaptação: Leopoldo Araújo
Direcção: Álvaro Benamor
Intérpretes (e personagens): Catarina Avelar (Almena, mulher de Anfitrião), Maria José (Brómia, sua criada), Morais e Castro (Feliseu), Paulo Renato (Júpiter / Anfitrião), Canto e Castro (Mercúrio / Sósia, moço de Anfitrião), Jorge Vale (Calisto), Luís Filipe (Belferrão, patrão), Rui Pedro (Aurélio, primo de Almena)
Assistência técnica: Fernando Pires
Montagem: Castela Esteves.


TEATRO DAS COMÉDIAS | 6 Jun. 1971 [>> RTP-Arquivos]
Auto dos Anfitriões, de Luís de Camões [>> texto integral]
Adaptação: Leopoldo Araújo
Direcção e ensaio: Álvaro Benamor
Intérpretes (e personagens): Carmen Dolores (Almena, mulher de Anfitrião), Ângela Ribeiro (Brómia, sua criada), Alexandre Vieira (Feliseu), Álvaro Benamor (Júpiter), Morais e Castro (Mercúrio), Canto e Castro (Sósia, moço de Anfitrião), Igor Sampaio (Calisto), Ruy de Carvalho (Anfitrião), Branco Alves (Belferrão, patrão), Carlos Rosa (Aurélio, primo de Almena)
Assistência técnica: Moreira de Carvalho
Realização: Horácio Gonzaga.


TEMPO DE TEATRO | 10 Jun. 1980 [>> RTP-Arquivos]
Auto dos Anfitriões, de Luís de Camões [>> texto integral]
Adaptação: Filipe La Féria
Direcção de actores: Pedro Lemos
Intérpretes (e personagens): Hermínia Tojal (Almena, mulher de Anfitrião), Henriqueta Maia (Brómia, sua criada), Varela Silva (Júpiter), Igor Sampaio (Mercúrio), Manuel Cavaco (Sósia, moço de Anfitrião), Victor Ribeiro (Anfitrião), António Sarmento (Belferrão, patrão), Carlos Daniel (Aurélio, primo de Almena)
Captação e registo de som: Rui Remígio
Sonorização e montagem: Serra Morais
Realização: Eduardo Street.


TEATRO DE TODOS OS TEMPOS | 10 Jun. 1971 [>> RTP-Arquivos]
Auto d'El-Rei Seleuco, de Luís de Camões [>> texto integral]
Adaptação e comentários críticos: Eurico Lisboa (Filho)
Direcção artística: José Gamboa
Intérpretes (e personagens): [PRÓLOGO] Pedro Pinheiro (Estácio da Fonseca, o Dono da Casa), Mário Sargedas (Lançarote, seu moço), Tomaz de Macedo (Martim Chinchorro); [COMÉDIA] Luís Santos (El-Rei Seleuco), Ana Paula (A Rainha Estratónica, sua mulher), Jorge de Sousa Costa (O Príncipe Antíoco), Mário Sargedas (Leocádio, pajem do Príncipe Antíoco), Lurdes Lima (Uma moça de câmara / Frolalta, criada da Rainha Estratónica), Tomaz de Macedo (Um porteiro da cana), Pedro Pinheiro (Um físico)
Narração: Manuela Patrocínio
Assistência técnica: Fernando Pires
Realização: Castela Esteves.


HISTÓRIA DO TEATRO PORTUGUÊS | 15 Jun. 1972 [>> RTP-Arquivos]
Auto d'El-Rei Seleuco (excertos), de Luís de Camões [>> texto integral]
Adaptação e comentários críticos: Duarte Ivo Cruz
Direcção: José Gamboa
Intérpretes (e personagens): [PRÓLOGO] Luís de Campos (Estácio da Fonseca, o Dono da Casa), João Lourenço (Lançarote, seu moço); [COMÉDIA]: Pedro Lemos (El-Rei Seleuco), Catarina Avelar (A Rainha Estratónica, sua mulher), Canto e Castro (O Príncipe Antíoco), Irene Cruz (Uma moça de câmara), João Lourenço (Um porteiro da cana), Ana Paula (Frolalta, criada da Rainha Estratónica), Luís de Campos (um físico)
Narração: Maria Natália Bispo e Gustavo Rosa
Assistência técnica: Leonel da Silva
Realização: Carlos Fernandes.


TEATRO DAS COMÉDIAS | 11 Jun. 1959 [>> texto integral]
Auto d'El-Rei Seleuco, de Luís de Camões [>> texto integral]
Adaptação: Leopoldo Araújo
Direcção e ensaio: Álvaro Benamor
Intérpretes (e personagens): [PRÓLOGO] Alves da Costa (O Mordomo, ou Dono da Casa), Manuel Lereno (Lançarote, seu moço), Salles Ribeiro (Martim Chinchorro), Santos Gomes (Ambrósio, seu escudeiro), Canto e Castro (Representador); [COMÉDIA] Costa Ferreira (El-Rei Seleuco), Gina Santos (A Rainha Estratónica, sua mulher), Álvaro Benamor (O Príncipe Antíoco), João Lourenço (Leocádio, pajem do Príncipe Antíoco), Maria José (Uma moça de câmara / Frolalta, criada da Rainha Estratónica), Canto e Castro (Um porteiro da cana), Santos Gomes (Alexandre da Fonseca, um dos músicos), Manuel Lereno (Um físico)
Assistência técnica: Francisco Vicente
Montagem: Jorge Santos.


TEATRO DAS COMÉDIAS | 11 Jun. 1972 [>> RTP-Arquivos]
Auto d'El-Rei Seleuco, de Luís de Camões [>> texto integral]
Adaptação: Eduardo Jacques
Direcção e ensaio: Álvaro Benamor
Intérpretes (e personagens): Assis Pacheco (El-Rei Seleuco), Carmen Dolores (A Rainha Estratónica, sua mulher), Mário Pereira (O Príncipe Antíoco), João Perry (Leocádio, pajem do Príncipe Antíoco), Maria Dulce (Frolalta, criada da Rainha Estratónica), Luís Filipe (1.º físico), Ruy Furtado (2.º físico), Carlos Rosa (1.º criado), Mário Sargedas (2.º criado)
Assistência técnica: Fernando Pires
Realização: Horácio Gonzaga.


TEATRO DAS COMÉDIAS | 8 Jun. 1969 [>> RTP-Arquivos]
Auto de Filodemo, de Luís de Camões [>> texto integral]
Adaptação: Eduardo Jacques
Direcção e ensaio: Álvaro Benamor
Intérpretes (e personagens): Canto e Castro (Filodemo), João Mota (Vilardo, seu moço), Maria José (Solina, moça de Dionisa), Assis Pacheco (Dom Lusidardo, pai de Venadoro e de Dionisa), João Perry (Venadoro), António Anjos (Monteiro de Venadoro), Carmen Dolores (Dionisa), Santos Gomes (Um pastor), Irene Cruz (Florimena, pastora e irmã de Filodemo)
Assistência técnica: Clídio de Carvalho
Realização: Castela Esteves.


TEMPO DE TEATRO | 4 Jun. 1978 [>> RTP-Arquivos]
Auto de Filodemo, de Luís de Camões [>> texto integral]
Adaptação: Jorge Figueiredo de Barros
Selecção e direcção de actores: Jacinto Ramos
Intérpretes (e personagens): Manuel Coelho (Filodemo), Carlos Cabral (Vilardo, seu moço), Madalena Braga (Solina, moça de Dionisa), Carlos Daniel (Venadoro), Benjamim Falcão (Monteiro de Venadoro), Carlos Veríssimo (Duriano, amigo de Filodemo), Arminda Taveira (Dionisa), Luís Mata (Um pastor), Lurdes Lima (Florimena, pastora e irmã de Filodemo), Carlos Duarte (Dom Lusidardo, pai de Venadoro e de Dionisa), Andrade e Silva (Doloroso, amigo de Vilardo)
Diálogo preambular, intercalar e final: Luz Franco (Adolescente), Ruy de Carvalho (Avô)
Assistência técnica: Rui Remígio
Sonorização: Horácio Gonzaga
Realização: Teles Gomes.



Frontispício da "Comedia dos Enfatriões", de Luís de Camões, impressa em Lisboa, por Vicente Alvarez, em 1615.



Frontispício da "Comedia de Filodemo", de Luís de Camões, impressa em Lisboa, por Vicente Alvarez, em 1615.



Fronstispício da edição das "Rimas" (1.ª Parte), de Luís de Camões, impressa em Lisboa, na oficina de Paulo Craesbeeck, em 1645, e primeira página da "Comedia d'El-Rey Seleuco".

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22 março 2024

Luís Cília: "Se me Levam Águas" (Luís de Camões)


Fraga da Pena, na Mata da Margaraça, Serra do Açor
Fotografia extraída do site "Alma de Aventureiros"


Em maré de celebração camoniana neste quinquicentenário do nascimento do nosso Poeta-Maior (considerando que veio ao mundo em 1524, provavelmente a 23 de Janeiro), assinalamos este Dia Mundial da Água com um dos mais belos poemas já escritos em língua portuguesa tendo como motivo o precioso líquido: o vilancete em redondilha menor "Se me levam águas", na encantadora versão cantada por Luís Cília com música da sua autoria. Serve também para homenagear, ainda que muito singelamente, o categorizado compositor/intérprete neste ano que é o 60.º da edição do seu primeiro álbum, "Portugal-Angola: Chants de Lutte", que aconteceu em França, pela editora Le Chant du Monde, em finais de 1964. Boa escuta!

A propósito de Luís Cília, é oportuno referir que continua a ser criminosamente boicotado por quem gere a 'playlist' da Antena 1 (ou superintende a sua gestão, leia-se Nuno Galopim de Carvalho). A exclusão de nomes grandes da música portuguesa da referida lista nem seria especialmente grave se ela tivesse um peso residual no cômputo geral da programação musical, mas como acontece precisamente o inverso (não andaremos longe da verdade se apontarmos a cifra de 85 %) eles terão de estar lá representados. Caso contrário, torna-se legítimo questionar o financiamento público, seja pela contribuição do audiovisual seja por dotações do Orçamento do Estado. Mas gostaríamos de não ter de chegar aí porque preconizamos a existência de uma estação pública de rádio. Agora não pode (nem deve) é atraiçoar a sua nobre missão maltratando os valores maiores da nossa música (cantada na língua de Camões ou instrumental).



Se me Levam Águas



Poema (vilancete em redondilha menor): Luís de Camões (in "Rimas", org. Fernão Rodrigues Lobo Soropita, Lisboa, 1595; "Obras de Luís de Camões", Porto: Lello & Irmão Editores, 1970 – p. 772-773)
Música: Luís Cília
Intérprete: Luís Cília* (in LP "La Poésie Portugaise de Nos Jours et de Toujours – 1", Moshé-Naïm, 1967; CD "La Poésie Portugaise de Nos Jours et de Toujours", Moshé-Naïm/EMEN, 1996)


          MOTE ALHEIO

Se me levam águas,
nos olhos as levo.

          VOLTAS

Se de saudade
morrerei ou não,
meus olhos dirão
de mim a verdade.
Por eles me atrevo
a lançar as águas
que mostrem as mágoas
que nesta alma levo.

As águas que em vão
me fazem chorar,
se elas são do mar
estas de amor são.
Por elas relevo
todas minhas mágoas;
que, se força de águas
me leva, eu as levo.

Todas me entristecem,
todas são salgadas;
porém as choradas
doces me parecem.
Correi, doces águas,
que, se em vós me enlevo,
não doem as mágoas
que no peito levo.


Nota:
a lançar as águas – alcançar as águas

* Luís Cília – voz e guitarra
Marc Vic – guitarra
François Rabbath – contrabaixo
Produção – Moshé Naïm
Gravado nos Studios Europa-Sonor, Paris
URL: http://www.luiscilia.com/
https://www.youtube.com/user/LeoMOV/videos
https://music.youtube.com/channel/UCqL_T8TPQ2ffVAKn-v4kN_A



Frontispício da 1.ª edição das "Rimas", de Luís de Camões, org. Fernão Rodrigues Lobo Soropita (Lisboa, 1595).



Capa do LP "La Poésie Portugaise de Nos Jours et de Toujours – 1", de Luís Cília (Moshé-Naïm, 1967).
Fotografia – Ludwik Lewin.
Concepção – Henri Matchavariani.



Capa da antologia em CD "La Poésie Portugaise de Nos Jours et de Toujours", de Luís Cília (Moshé-Naïm/EMEN, 1996).
Pintura (à esquerda) – Maria Helena Vieira da Silva.
Fotografia (à direita) – Alain Appéré.

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Camões recitado e cantado
Camões recitado e cantado (II)
Em memória de Manoel de Oliveira (1908-2015)
Camões recitado e cantado (III)
Camões recitado e cantado (IV)
Camões recitado e cantado (V)
Camões recitado e cantado (VI)
Camões recitado e cantado (VII)
Camões recitado e cantado (VIII)
Camões recitado e cantado (IX)
Luís de Camões: "Os Lusíadas" (dois excertos), por Carlos Wallenstein

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21 março 2024

Luís de Camões: "Os Lusíadas" (dois excertos), por Carlos Wallenstein


Roque Gameiro, "A Partida de Vasco da Gama para a Índia em 1497", c. 1900, litografia, Biblioteca Nacional de Portugal, Lisboa


Não sendo conhecida a certidão de nascimento nem o assento de baptismo de Luís de Camões, vários estudiosos têm aventado hipotéticas datas (exactas ou aproximadas) para a sua nascença com base em referências de cariz biográfico encontradas na sua obra. Uma delas aparece na primeira quadra do soneto "O dia em que nasci morra e pereça" e deu recentemente azo a que académicos da Universidade de Coimbra estabelecessem uma data precisa: 23 de Janeiro de 1524, um ano antes do eclipse solar que se supõe ser o que o poeta tinha no pensamento quando escreveu a palavra 'eclipse' no poema em questão. Embora com outras datas, o ano 1524 é o mais apontado entre as várias hipóteses já esboçadas, pelo que podemos tomá-lo em boa conta para efeitos da celebração do quinquicentenário do nascimento. Assim sendo, no presente Dia Mundial da Poesia não podia faltar algo que saiu da pena do maior vulto da Literatura (de Língua) Portuguesa. E o que escolher da sua vasta produção? Ora a efeméride do 530.º aniversário do Tratado de Tordesilhas que ocorre no próximo 7 de Junho remete-nos para a Expansão Portuguesa e, necessariamente, para a viagem marítima de Vasco da Gama até à Índia, narrada a letras de ouro nesse colossal monumento literário a que Camões deu o título de "Os Lusíadas". É pois apresentando dois excertos da genial epopeia – os referentes à Partida das Naus (Canto IV) e ao Fogo-de-Santelmo e à Tromba Marítima (Canto V) –, admiravelmente recitados pelo actor Carlos Wallenstein, que celebramos o Dia da Poesia de 2024. Boa escuta!

Vem a talhe de foice fazer um ponto de situação da poesia na radio pública...
Na Antena 2, graças aos cuidados de Paulo Alves Guerra (no programa da manhã) e, sobretudo, de Luís Caetano (na rubrica "A Vida Breve" e, ocasionalmente, nos programas "A Força das Coisas" e "A Ronda da Noite"), vai sendo possível ouvir boa poesia. Não obstante, temos sentido a falta do apontamento "O Som Que os Versos Fazem ao Abrir" que Luís Caetano vinha mantendo em colaboração com Ana Luísa Amaral, que acabou por um motivo de força maior: o falecimento da distinta poetisa e professora de literatura. Faz muito sentido existir no canal (mais) cultural da rádio pública um espaço de poesia comentada (abarcando diferentes épocas), e não duvidamos que haja em Portugal alguém que possa continuar o trabalho de Ana Luísa Amaral, ainda que o título possa ser outro (isso é de somenos importância). Fica lançado o repto a Luís Caetano e à direcção de programas da Antena 2. Igualmente no segundo canal, fazemos ainda menção a duas rubricas que também dão guarida à poesia, se bem que não exclusivamente: "Ambos na Mesma Página", de Raquel Marinho, que peca pela leitura excessivamente 'branca' dos textos; "Páginas de Português", de José Manuel Matias, com a actriz Maria Henrique na leitura (pouco cativante) de poemas; e "Palavras de Bolso", de Ana Isabel Gonçalves e Paula Pina, direccionada para o público mais jovem.
E nas Antenas 1 e 3? Só pela mão de David Ferreira, no seu imperdível programa dominical "A Cena do Ódio" (Antena 1), aparece um ou outro poema dito/recitado, de vez em quando. A inexistência de uma rubrica regular de poesia é chocante, e podia muito bem ser garantida a sua existência sem se gastar um chavo: bastaria fazer uso da arca do tesouro que é o arquivo da RDP. E não se tem feito por uma simples razão: Nuno Galopim de Carvalho e Nuno Reis são indivíduos com a sensibilidade embotada para a poesia. Mas será admissível que o serviço público de rádio seja prejudicado por causa disso?



A PARTIDA DAS NAUS



Versos de Luís de Camões (estrofes 84 a 93 do Canto IV d' "Os Lusíadas", Lisboa, 1572; "Os Lusíadas", Lisboa: Imprensa Nacional de Lisboa, 1972 – p. 151-154; "Obras de Luís de Camões", Porto: Lello & Irmão Editores, 1970 – p. 1234-1236)
Recitados por Carlos Wallenstein* (in LP "Camões: Antologia", Série "Disco Falado", Guilda da Música/Sassetti, 1973; CD "Camões: Antologia", Col. Palavras, Strauss, 2002)




E já no porto da ínclita Ulisseia,
C'um alvoroço nobre e c'um desejo
(Onde o licor mistura e branca areia
Co'o salgado Neptuno o doce Tejo)
As naus prestes estão; e não refreia
Temor nenhum o juvenil despejo,
Porque a gente marítima e a de Marte
Estão para seguir-me a toda a parte.

Pelas praias vestidos os soldados
De várias cores vêm e várias artes,
E não menos de esforço aparelhados
Para buscar do mundo novas partes.
Nas fortes naus os ventos sossegados
Ondeiam os aéreos estandartes.
Elas prometem, vendo os mares largos,
De ser no Olimpo estrelas, como a de Argos.

Depois de aparelhados, desta sorte,
De quanto tal viagem pede e manda,
Aparelhámos a alma para a morte,
Que sempre aos nautas ante os olhos anda.
Para o sumo Poder, que a etérea Corte
Sustenta só co'a vista veneranda,
Implorámos favor que nos guiasse
E que nossos começos aspirasse.

Partimo-nos assim do santo templo
Que nas praias do mar está assentado,
Que o nome tem da terra, para exemplo,
Donde Deus foi em carne ao mundo dado.
Certifico-te, ó Rei, que, se contemplo
Como fui destas praias apartado,
Cheio dentro de dúvida e receio,
Que apenas nos meus olhos ponho o freio.

A gente da cidade, aquele dia,
(Uns por amigos, outros por parentes,
Outros por ver somente) concorria,
Saudosos na vista e descontentes.
E nós, co'a virtuosa companhia
De mil Religiosos diligentes,
Em procissão solene, a Deus orando,
Para os batéis viemos caminhando.

Em tão longo caminho e duvidoso
Por perdidos as gentes nos julgavam,
As mulheres c'um choro piedoso,
Os homens com suspiros que arrancavam.
Mães, Esposas, Irmãs, que o temeroso
Amor mais desconfia, acrescentavam
A desesperação e frio medo
De já nos não tornar a ver tão cedo.

Qual vai dizendo: Ó filho, a quem eu tinha
Só para refrigério e doce amparo
Desta cansada já velhice minha,
Que em choro acabará, penoso e amaro,
Porque me deixas, mísera e mesquinha?
Porque de mim te vás, ó filho caro,
A fazer o funéreo enterramento
Onde sejas de peixes mantimento?

Qual em cabelo: Ó doce e amado esposo,
Sem quem não quis Amor que viver possa,
Porque is aventurar ao mar iroso
Essa vida que é minha e não é vossa?
Como, por um caminho duvidoso,
Vos esquece a afeição tão doce nossa?
Nosso amor, nosso vão contentamento,
Quereis que com as velas leve o vento?

Nestas e outras palavras que diziam
De amor e de piedosa humanidade,
Os velhos e os meninos as seguiam,
Em quem menos esforço põe a idade.
Os montes de mais perto respondiam,
Quase movidos de alta piedade;
A branca areia as lágrimas banhavam,
Que em multidão com elas se igualavam.

Nós outros, sem a vista alevantarmos
Nem a Mãe, nem a Esposa, neste estado,
Por nos não magoarmos, ou mudarmos
Do propósito firme começado,
Determinei de assim nos embarcarmos,
Sem o despedimento costumado,
Que, posto que é de amor usança boa,
A quem se aparta, ou fica, mais magoa.


* Carlos Wallenstein – voz
Selecção de textos/poemas – Carlos Wallenstein

Direcção literária – Alberto Ferreira
Assistente de produção – Carmen Santos
Produção – Sassetti
Gravado nos Estúdios Polysom, Lisboa
Captação de som e montagem – Moreno Pinto
Remasterização – Jorge d'Avillez (Strauss Studio, Lisboa)



Roque Gameiro, "Partida de Vasco da Gama para a Índia", ilustração inclusa no livro "Quadros da História de Portugal", de Chagas Franco e João Soares (Lisboa: Papelaria Guedes, 1917)



FOGO-DE-SANTELMO e TROMBA MARÍTIMA



Versos de Luís de Camões (estrofes 16 a 23 do Canto V d' "Os Lusíadas", Lisboa, 1572; "Os Lusíadas", Lisboa: Imprensa Nacional de Lisboa, 1972 – p. 164-166; "Obras de Luís de Camões", Porto: Lello & Irmão Editores, 1970 – p. 1244-1245)
Recitados por Carlos Wallenstein* (in LP "Camões: Antologia", Série "Disco Falado", Guilda da Música/Sassetti, 1973; CD "Camões: Antologia", Col. Palavras, Strauss, 2002)




Contar-te longamente as perigosas
Coisas do mar, que os homens não entendem,
Súbitas trovoadas temerosas,
Relâmpagos que o ar em fogo acendem,
Negros chuveiros, noites tenebrosas,
Bramidos de trovões, que o mundo fendem,
Não menos é trabalho que grande erro,
Ainda que tivesse a voz de ferro.

Os casos vi que os rudos marinheiros,
Que tem por mestra a longa experiência,
Contam por certos sempre e verdadeiros,
Julgando as coisas só pela aparência,
E que os que têm juízos mais inteiros,
Que só por puro engenho e por ciência
Vêem do mundo os segredos escondidos,
Julgam por falsos ou mal entendidos.

Vi, claramente visto, o lume vivo
Que a marítima gente tem por Santo,
Em tempo de tormenta e vento esquivo,
De tempestade escura e triste pranto.
Não menos foi a todos excessivo
Milagre, e cousa, certo, de alto espanto,
Ver as nuvens, do mar com largo cano,
Sorver as altas águas do Oceano.

Eu o vi certamente (e não presumo
Que a vista me enganava): levantar-se
No ar um vaporzinho e subtil fumo
E, do vento trazido, rodear-se;
De aqui levado um cano ao Pólo sumo
Se via, tão delgado, que enxergar-se
Dos olhos facilmente não podia;
Da matéria das nuvens parecia.

Ia-se pouco e pouco acrescentando
E mais que um largo mastro de engrossava;
Aqui se estreita, aqui se alarga, quando
Os golpes grandes de água em si chupava;
Estava-se com as ondas ondeando;
Em cima dele ũa nuvem se espessava,
Fazendo-se maior, mais carregada,
Co'o cargo grande d'água em si tomada.

Qual roxa sanguessuga se veria
Nos beiços da alimária (que, imprudente,
Bebendo a recolheu na fonte fria)
Fartar co'o sangue alheio a sede ardente;
Chupando, mais e mais se engrossa e cria,
Ali se enche e se alarga grandemente:
Tal a grande coluna, enchendo, aumenta
A si e a nuvem negra que sustenta.

Mas, depois que de todo se fartou,
O pé que tem no mar a si recolhe
E pelo céu, chovendo, enfim voou,
Por que co'a água a jacente água molhe;
Às ondas torna as ondas que tomou,
Mas o sabor do sal lhe tira e tolhe.
Vejam agora os sábios na escritura
Que segredos são estes de Natura.

Se os antigos Filósofos, que andaram
Tantas terras, por ver segredos delas,
As maravilhas que eu passei, passaram,
A tão diversos ventos dando as velas,
Que grandes escrituras que deixaram!
Que influição de signos e de estrelas,
Que estranhezas, que grandes qualidades!
E tudo, sem mentir, puras verdades.


* Carlos Wallenstein – voz
Selecção de textos/poemas – Carlos Wallenstein

Direcção literária – Alberto Ferreira
Assistente de produção – Carmen Santos
Produção – Sassetti
Gravado nos Estúdios Polysom, Lisboa
Captação de som e montagem – Moreno Pinto
Remasterização – Jorge d'Avillez (Strauss Studio, Lisboa)
URL: http://www.cinept.ubi.pt/pt/pessoa/2143690279/Carlos+Wallenstein
https://arquivos.rtp.pt/conteudos/perfil-carlos-wallenstein/
https://music.youtube.com/channel/UCAB5mYWk4Z9tVkwp-RrXdgQ



Frontispício da 1.ª edição d' "Os Lusíadas", de Luís de Camões (Impressos em Lisboa: em casa de Antonio Gõçaluez Impressor, 1572)


Capa do LP "Camões: Antologia", de Carlos Wallenstein (Série "Disco Falado", Guilda da Música/Sassetti, 1973)
Concepção – Soares Rocha



Capa da reedição em CD do álbum "Camões: Antologia", de Carlos Wallenstein (Col. Palavras, Strauss, 2002)
Retrato de Camões – Soares Rocha
Grafismo – João P. Cachenha

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